Participante: Se o que você colocou é verdade – nós é que criamos a ofensa – na verdade não há ninguém fora de nós. Falamos com nós mesmos…

Na verdade há pessoas do lado de fora que conversam e agem conosco. Mas, o que eles fazem ou falam são apenas atos ou palavras. Quem cria a intenção para estes atos ou palavras sou eu e não eles.

Na verdade, quando a pessoa fala alguma sou eu quem uso o que foi dito para me sentir ofendido com aquilo. Não foi ele quem me ofendeu, mas eu que as interpretei como ofensa. As palavras dele existem, são reais, mas elas só conterão o valor de ofensa se eu o der a elas. Ele pode até dar este mesmo valor àquilo que está dizendo, mas se eu não der este valor às palavras do outro, elas, para mim, não terão este sentido.

O que precisa ficar claro para quem busca vivenciar o não-sofrimento é que apesar de tudo estar acontecendo, o que importa mesmo é aquilo que eu digo que está acontecendo.

Participante: Será que na prática seria aconselhável exercitarmos a calma, a paciência e o calar?

Eu não saberia lhe dizer… O que posso dizer é o seguinte: se você consegue ter paciência e calma, exercite-as. O problema é que tem hora que estas coisas não vêm; aí é o momento de trabalhar o sofrer que chegou.

Na verdade, nós não conseguimos criar coisas; elas vêm até nós. Não conseguimos amar quem queremos, não conseguimos ter raiva de quem quisermos, não conseguimos evitar sofrer. Todas estas sensações vêm até nós e só depois que elas chegam é que podemos agir. Só depois que o amar chega é que podemos amar, só depois que a raiva se instala é que sentimos raiva, só depois que o sofrer chega e que começamos o sofrimento.

Para mim, só depois que o sofrimento vem é que consigo evitar sofrer. Agora, se você consegue criar paciência como estado perpétuo e nem sente o sofrer, isso seria interessante. Eu, no meu caso, não consigo isso: preciso sempre criar uma paciência para poder estancar o sofrimento.

Participante: Até agora, a prática dos exemplos nos levam a entender que devemos deixar o outro ser, estar e fazer o que quiser. Pode falar a respeito disso?

Na verdade, todos têm o direito de ser, estar e fazer o que quiserem. Nós dizemos que Deus deu o livre arbítrio a cada um, mas não vemos que quando queremos que o outro se mude estamos retirando dele este direito. Queremos tirar o direito do outro, livre arbitrar a sua vida quando dizemos o que ele deve fazer ou dizer.

Participante: Para mim que vivo numa cidade de um país capitalista que cria uma determinada realidade, como posso ser feliz se sou constantemente bombardeado por vários atos meus e dos outros. Seria melhor viver no interior? Isso aumentaria a minha chance de viver a felicidade?

Não, isso não aumenta a sua chance. Quem mora numa cidade do interior também vivencia atos que, se não forem trabalhados, levam a vivenciar o sofrimento.

Quantos moradores do interior estão voltando para casa com pressa e precisam parar no meio da rua para deixar bois atravessarem de um terreno para outro? Muitas vezes é uma grande quantidade de bois para atravessar e as pessoas, mesmo com pressa, precisam parar e esperar que eles completem a travessia.

Portanto, o problema não é a cidade grande ou a pequena, mas sim como se reage àquilo que acontece. O problema não é o trânsito de carros ou de bois, mas sim o sofrimento por não ter a sua pressa atendida. Se você não trabalha para não vivenciar o sofrimento, certamente o vivenciará no interior ou na cidade grande.

Na verdade, o tamanho da cidade que você mora não interfere na sua felicidade, mas há uma coisa que está relacionada à sua pergunta que pode sim interferir muito nela. Vamos conversar sobre isso…

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