Reflexões

História é algo que põem na sua cabeça

Sri Krishna, o mestre dos hindus, afirma que tudo que vem à mente humana é maya, ou seja, ilusão. O mundo de maya é o mundo ilusório onde vivem os seres humanos; um mundo fictício onde idéias humanas existem.

Para ilustrar a um discípulo que lhe perguntava sobre o que era o mundo de maya, Krishna narra a seguinte história. Conta ele que no mundo Real caminhava ao lado de um discípulo quando disse a esse: estou com sede. O discípulo querendo servir ao mestre corre para apanhar água.

Chegando às margens de um rio o discípulo vê do outro lado uma bela jovem. Encanta-se e enamora-se por ela. Larga tudo o que está fazendo e atravessa o rio em direção a aldeia onde aquela jovem morava.

Ao chegar lá procura o pai da jovem e fala de suas pretensões com relação a ela. O homem cede e as núpcias são marcadas e se concretizam depois de decorridos alguns dias. Habitando, então, a mesma casa do pai da jovem, o discípulo passa a trabalhar nas plantações junto com os demais membros da família.

Depois de algumas colheitas a grande notícia: a jovem está grávida. Nasce o primeiro rebento: um homem. A felicidade é geral e a vida continua com o discípulo trabalhando a terra com os familiares da jovem e vivendo seu romance e o filho, que era o seu grande orgulho.

Passado mais algum tempo e novamente outra grande notícia acontece. A jovem grávida novamente dá a luz mais um filho saudável e belo. O discípulo não se contém de alegria e assim os anos passam...

Um belo dia, quando os garotos já estavam grandes, começa uma chuva implacável. O rio, antes apenas um riacho, torna-se caudaloso repentinamente. Pegos de surpresa tanto a jovem quanto os dois filhos do discípulo são arrastados pela correnteza. Apesar de todo esforço do marido e pai, ele não consegue salvar a vida dos seus.

Sentado desconsolado à margem do rio o discípulo sofre a sua dor quando ouve uma voz que lhe diz: continuo com sede esperando a minha água...

Depois da história Sri Krishna ensina então o que é o poder de maya. A Realidade da existência do discípulo jamais foi alterada. Nela ele foi até a beira do rio buscar água para o mestre, mas o poder inescrutável de maya gerou toda esta história, ou seja, ela aconteceu apenas na mente dele.

Apesar de toda sensação de que aqueles acontecimentos fossem reais, o discípulo jamais havia conhecido uma jovem, se casado, trabalhado a terra, tido filhos e nem os tinha visto perecer. Tais fatos nunca aconteceram, mas existiram apenas na imaginação do discípulo.

Imaginação: eis aí a realidade da história que afirmamos ter acontecido.

Krishna afirma: o Real nunca deixou de existir e o irreal jamais existiu. Mas, o que é Real neste Universo? Segundo o Espírito da Verdade na Realidade existem apenas o espírito e a matéria universal, o que foi chamado de fluído cósmico universal, e acima de tudo Deus. Portanto, tudo que é Real precisa ter acontecido com estes elementos.

A matéria, ainda segundo o Espírito da Verdade, não age. Segundo O Livro dos Espíritos a matéria universal é apenas o laço que retém o espírito; é o instrumento de que ele se serve e, ao mesmo tempo, sobre o qual exerce a sua ação. Sendo assim a Realidade só pode ser formada pela ação do espírito sobre a matéria e não ao contrário.

O que é o espírito? Segundo a mesma fonte, para nós humanos é nada... O espírito é algo que não pode ser percebido ou compreendido pela mente humana.

Ora, se não conseguimos nem saber o que é o espírito, como podemos saber qual a sua ação? Como podemos compreender o que é Real se a Realidade é apenas a ação do espírito sobre a matéria?

A partir disso pergunto: o que é Real? Para nós humanos nada. Mas, e isso tudo que vivemos como realidade? São ilusões criadas pelo poder inescrutável de maya na mente primária do espírito. Nada do que chamamos de real está acontecendo a não ser na imaginação do espírito...

Isso é verdade para o momento atual, mas sempre foi verdade, pois se trata de uma Verdade Absoluta. Todas as realidades vivenciadas por um ser humano são forjadas pelo poder inescrutável de maya apenas na mente de uma personalidade humana como foram aquelas da história do discípulo e de Krishna.

Face tudo isso pergunto: e a história da humanidade? E os acontecimentos que estão nos livros e que, aparentemente são recontados há milênios? Fazem parte da ilusão de agora...

A cada momento o poder de maya cria tudo o que compõem a existência do ser humano, inclusive a memória. É por isso que dizemos que possuímos memória seletiva: nos lembramos do que queremos nos lembrar e esquecemos do que queremos esquecer...

O poder de maya cria a cada momento as lembranças que precisam existir para poder dar lógica aos pensamentos de agora. É por isso que o ser humano, no momento que está frente a alguém, se lembra, se isso for necessário para dar lógica a algum pensamento, do que esta pessoa lhe fez, mas não se lembra que quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral.

A memória, na verdade, não é o arquivo de tudo que aconteceu, mas apenas idéias que imaginam acontecimentos para justificar a lógica do pensamento atual. Por isso para justificar uma desconfiança a esposa se lembra sempre do que marido lhe fez de mal, mas nunca se lembra do que ele já fez de bem...

Por isso afirmo: a história é alguma coisa que lhe colocam na cabeça neste momento...

Não estou me referindo a apenas fatos individuais, ou seja, da sua história, mas também à história universal, aos acontecimentos históricos da humanidade. Não importa o que os livros dizem, aqueles acontecimentos estão acontecendo agora para o ser humano que pensa neles...

Apenas um detalhe: não estou dizendo que eles não aconteceram. Podem até ter acontecido, ou seja, aquela realidade ilusória pode ter acontecido para algumas personalidades humanas nas mentes de espíritos, mas isso não quer dizer que a sua lembrança de agora afirme definitivamente que aconteceu.

A memória histórica não se prende a verdades ou realidades que tenham acontecido em mentes de outros seres humanos. Mesmo que um determinado fato não tenha acontecido ele pode ser criado como memória se isso for necessário para tornar lógico um pensamento de agora.

Quem nunca se lembrou de um acontecimento onde outro participasse e ao comentar com este ele diga que nunca viveu aquilo, que é coisa da sua cabeça? Quem nunca se lembrou de algum momento e ao comentar com outro envolvido nele escutar que estamos loucos, que aquilo não aconteceu daquele jeito?

A memória é individual. Cada um se lembra do que precisa lembrar e se recorda do jeito que precisa recordar para que os pensamentos de agora tenham lógica e com isso levem o espírito a se prender ao egoísmo que está na formação mental.

O que estou querendo dizer com isso? Que o Brasil nunca foi descoberto; que não tivemos império e nem a escravatura; que depois não veio a democracia que trouxe a figura dos presidentes. Tudo isso é história, é algo que está sendo criado na sua memória neste instante para dar lógica ao que está sendo pensado. Para que? Para o espírito não acreditar que deve libertar-se do ego...

“Mas, eu sou velho, já vi diversos presidentes e os nomes deles estão na minha memória”. Estão? Digamos que por doença ou pancada, você perdesse a memória. Eles continuariam lá? Você continuaria acreditando na existência deles? Não, se a criação do momento não incluir a idéia da existência da coisa, a memória jamais dará por falta destas informações.

“Mas, existem documentos, fotos, filmes, que comprovam a existência de alguns acontecimentos e da participação de seres humanos neles”. Está certo: este é um bom pensamento...

Mas o que são os documentos, os livros, as fotos e os filmes senão criações de maya que formam o mundo irreal? Eles são como a choupana, as plantações e o rio da ilusão do discípulo de Krishna: algo criado pelo poder inescrutável de maya enquanto na Realidade o ser estava apenas buscando água para o mestre.

A história, seja universal ou individual, é apenas uma criação do poder inescrutável de maya para dar lógica a pensamentos da personalidade humana que ao chegarem à mente primária do espírito constitui-se no instrumento para a sua reforma íntima. Isso é o que ensina o EEU. Mas, por que ele ensina isso?

Será que Joaquim ao ensinar isso esperava que o ser humano fosse descrer dos acontecimentos históricos? Será que ele esperava que a personalidade humana fosse capaz de negar a veracidade dos acontecimentos que são colocados na sua memória? Claro que não...

Este ensinamento não se dirige a seres humanos, mas sim a espíritos. Também não têm como finalidade fazer com que o espírito altere a história ou compreenda que os acontecimentos dela são ilusões, porque ele não pode agir sobre o poder de maya. Por isso Krishna diz que este poder é inescrutável...

O que o EEU quer é que o espírito receba informações através do ego que o leve a entender que os pensamentos formados pelo poder de maya que o estão bombardeando neste momento não podem ser considerados como certos ou bons, para que o ser universal não vibre em uníssono com a sensação que a personalidade humana cria...

Quantas atrocidades já não foram cometidas e consideras certas e boas usando para isso a memória de outros acontecimentos? O caso mais recente que tivemos foi a guerra entre os EUA e o Iraque e o Afeganistão. A retaliação a estes povos foi considerada como justa por causa da memória dos acontecimentos de 11 de setembro...

Não estou aqui dizendo que esta guerra não deveria ter acontecido. Se ela aconteceu é porque fazia parte do conjunto de percepções de personalidades humanas que os espíritos encarnados no planeta Terra precisavam ter. O que estou querendo dizer é que os espíritos não devem acreditar na motivação que as personalidades humanas que dirigem ou defendem esta guerra criam, porque estas motivações se fundamentam numa memória de algo que não existiu.

O espírito que acredita nas motivações fundamentadas em acontecimentos históricos dá como certa a prática daquilo que se está praticando e com isso vibra (sente) de acordo com a sensação gerada pela personalidade humana...

A memória não existe: é algo que põe na sua cabeça para justificar a busca do ganhar que leve o ser humano ao prazer e a fama através do elogio... Sendo assim, a história também não existe...