Reflexões

Vontade de ganhar

A primeira característica implícita em todos os pensamentos é a vontade de ganhar sempre. Todo pensamento humano, mesmo que aparentemente não demonstre, traz embutido em si um desejo de ganhar, de levar vantagem sobre os outros.

Sei que muitos afirmam que não possuem esta característica em seus pensamentos, mas ela está sempre presente. Ela, assim como as demais, são como raízes que arrancam do solo (egoísmo) os nutrientes que manterão viva a árvore da razão humana. Se elas pudessem ser extirpadas, o pensamento com certeza não seria o mesmo.

Digo se pudessem, porque não podem. Se a encarnação tem como objetivo aproximar o espírito de Deus, o egoísmo tem que estar presente na ação para que o espírito, então, possa vencê-lo e provar que se coaduna com sua família universal.

Voltando à vontade de ganhar, como disse, ela está presente mesmo quando não se imagina. Vou dar alguns exemplos para observamos a sua presença onde parece que ela não existe.

O primeiro exemplo: a caridade material. Hoje são milhares de pessoas em todo o mundo que fazem da prática da doação de elementos materiais aos necessitados uma atividade constante. A chamada solidariedade...

À primeira vista os pensamentos que justificam a participação de seres humanos neste movimento parece não abrigar nenhuma vontade de vencer, mas isso aparente.

Alguns praticam a solidariedade por motivos religiosos, outros praticam porque acham que devem ajudar os carentes, outros, ainda, justificam seus pensamentos por amor ao próximo. Aparentemente trata-se de motivos que em nada versam sobre a vontade de vencer, mas isso é engano...

Quem pratica a caridade por motivos religiosos espera ver seus esforços observados pela entidade superior do Universo e ganhar como recompensa méritos para outra vida; quem pratica por solidariedade espera que a ajuda surja o seu efeito, ou seja, que ele veja o outro sentir-se melhor; quem faz por amor espera ganhar a sensação do dever cumprido. Não importa o que se ganhe, desde que alguma coisa seja recebida em troca: esta é a característica do pensamento humano.

Lembro-me de uma conversa que Joaquim teve com uma pessoa. Eles estavam falando de caridade material e Joaquim disse que ela só seria reconhecida como doação quando a pessoa a praticasse sem nenhuma motivação específica. Ou seja, quando esta pessoa simplesmente desse, sem planejar dar ou quere dar...

Outro exemplo clássico foi o de uma amiga que dizia que por amor ela brigava com outro amigo para que ele parasse de fumar. Ela deixou bem claro para Joaquim: eu não ganho nada com isso, faço apenas por amor. Pesquisando junto a ela sobre esta ação, em determinado momento nossa amiga respondeu que fazia isso porque não queria que o amigo morresse. Joaquim, então, disse: qual o problema dele morrer? Ela respondeu: eu vou ficar com saudades...

Aí está a ação da âncora vontade de ganhar. O que aparentemente se demonstrava num ato amoroso sem qualquer ação egoísta no final se transforma numa peça de egoísmo, pois ela estava preocupada consigo mesmo, ou seja, queria ganhar a presença dele...

Mas, como disse, as âncoras estão sempre presentes em dupla. Se o pensamento humano sempre esconde uma vontade de ganhar, ele também possui a característica de que não querer perder.

Esta característica é mais fácil de se ver. Ninguém quer perder nada, nem em campeonato de cuspe à distância, não é mesmo?

Lembro-me de uma vez que minha esposa acalentou a idéia de que tinha que ajudar uma família que estava morando literalmente em baixo de uma ponte onde passávamos. Um dia, fomos de manhã ao mercado, fizemos umas compras e fomos para a ponte para dar os alimentos à família. Quando chegamos lá, eles já haviam se mudado...

Esta ação deles a fez sofrer, pois a vontade de não querer perder agiu forte dentro dela e justificou o sofrimento. Lembro, ainda, de um chefe que tive que quando eu levava um documento para ele conferir, mesmo que não houvesse erro algum, ao final ele fazia um ponto com a caneta para mostrar que dava a última palavra.

Enfim, nem ele nem minha mulher nem os que praticam a solidariedade estão “errados”. Eles são assim e tem este tipo de pensamento porque são apenas personalidades humanas que estão servindo a um espírito na sua aproximação com a família que ele tem renegado há milênios...