Participante: o fato de acharmos que é pior é porque estamos apegado ao que é comum, tem a ver com o apego isso.
Tem a ver com apego mas também tem a ver com uma coisa pior ainda do que o apego. Aliás, pior que o egoísmo.
Participante: uma coisa curiosa que me vem à mente é que é natural pensar que quanto maior o número de posses, ou de apegos, maior é o número de sofrimento. Só que uma vez que compreendemos isso, vamos nos desapegando. Deixando posses de lado e se desapagando. Só que por menor número de apegos que a gente tenha ou mais simples, ainda continua gerando um sofrimento. Nos libertamos de uma posse mais agressiva, mas a gente continua sofrendo com uma posse menor. O sofrimento se mantém mesmo com um número de posses menores.
Ele se mantém, mas não por culpa do que acontece e sim porque ainda há um detalhe nesse desapego que você faz.
O ser humano se desapega das coisas, mas não cessa o sofrimento. Por exemplo, as religiões que falam em desapego - hinduísmo, budismo. Elas ainda tratam o desapego de uma forma que não estanca o sofrimento. Por mais que você se desapegue, apenas está trocando um apego por outro: o apego por um objeto pelo apego a um ensinamento.
Então, não há um desapego de verdade. Você pode se desapegar de seu carro, por exemplo, mas não vai se desapegar de uma coisa que surge por causa do desapego ao carro.
Aliás, é isso que vamos conversar hoje.
Participante: ou seja, a gente troca a posse material por uma posse espiritual, mas posse espiritual gera sofrimento porque ainda é uma posse.
Perfeito. O prazer de ter desapegado. Você troca o prazer de ter um carro pelo prazer de estar desapagado, mas continuou preso ao prazer.
Participante: a natureza do prazer ainda está lá. Você só trocou o prazer.
Isso, só trocou o objeto.
Vocês que são mais antigos devem se lembrar quando conversamos sobre desapego e eu disse assim: é como se fosse uma montanha de folha de papel uma em cima da outra. Você tira a primeira e acha que já fez muita coisa. Só que há uma montanha de coisas para se desapegar.
Quando se desapega da comida, encontra o apego no ar. Nesse momento, tem que se desapegar do ar. Na hora que realizar esse desapego, vai descobrir que é apegado ao sol. Nesse momento, tem que se desapegar do sol. É assim: tem que ir puxando papel por papel.
Outro exemplo que já dei também sobre o trabalho do desapego: os tijolinhos. O conjunto dos seus apegos é como um prédio imenso. Você tem apenas um martelo para quebrar cada tijolinho que constrói aquele prédio. Só que quando não quebra um, surge outro em um lugar que já tinha quebrado.
É preciso estar batendo o tempo inteiro. Não importa o que aparecer, tem que estar batendo o tempo inteiro. Senão fizer isso, não vai destruir o prédio. O prédio dos conceitos, daquilo que você é apegado. Cada tijolinho desses é alguma coisa desse mundo que você é apegado.
Participante: todos vão se desapegar das mesmas coisas?
Não. Há provas de todos e há provas individuais. Além disso, há apegos específicos dependendo do país que se nasce, da cidade que se vive, da família que se viver.
Todos que encarnam vão se desapegar, mas não da mesma coisa.
Participante: O denominador comum é o egoísmo, não? Então, precisamos trabalhar o egoísmo de uma forma universal, não importando o seu carma ou a situação que se encontra
Sim.
O ser humanizado se desapega da prisão ao carro, mas ao se libertar dessa prisão, se apega em outra coisa. Portanto, só trocou a folha: tirou uma pôs outra. Não jogou fora, não amassou e jogou no lixo. Por isso nada fez.
Na verdade, hoje o que quero é ensinar vocês a ligarem o ventilador para todas as folhas irem embora. Vamos lá?