Hipocrisia humana

O conhecimento do mundo

Participante: a mente funciona a partir da própria mente? Porque ela cria este sonho?

Antes de lhe responder, deixe-me dizer uma coisa...

Para a prisão ao sonho, existe outro grande fator que contribui: o conhecimento que o ser humano imagina que tem das coisas deste mundo. Todo ser humano imagina que é capaz de conhecer e reconhecer todos os elementos que o envolve, mas será que este conhecimento é real? Vamos averiguar isso...

Para poder fazer isso pergunto: vocês são capazes de me falar tudo que está nesta sala? Vocês imaginam que sim, mas torno a perguntar: vocês estão vendo as gotículas de água que estão ar aqui dentro? Sim, junto ao ar que existe aqui há água, a chamada umidade relativa do ar. Será que vocês estão vendo este elemento? Não...

Participante: nós não a enxergamos...

Por que não as enxergam? Porque a vista humana tem uma faixa de alcance.

O ser humano não ouve o apito que o cachorro ouve porque o seu ouvido tem uma faixa de alcance. Não percebe determinados raios energéticos (raio x, ultra violeta, etc.) que estão no ar porque os seus olhos não são capazes de perceber estas energias. Isso é importante se compreender para despertá-lo.

Dentro do romantismo que a mente vive a vida há o sonho de conhecer e reconhecer todas as coisas deste mundo. Conhecer tudo, saber como é tudo, reconhecer o que está acontecendo, ser o sábio é só sonho... Na verdade, o ser humano é incapaz de conhecer ou reconhecer a maior parte dos elementos que estão presentes nos momentos de sua vida.

Vocês se preocupam com o conhecimento sobre as coisas universais. Querem descobrir estrelas, dizer como o Universo surgiu e o que acontecerá daqui há milhões de anos, mas não conseguem identificar coisas mínimas que podem interferir decisivamente na existência de vocês. Sonham com o conhecimento sobre as coisas mais distantes, mas não conseguem identificar elementos que estão ao seu lado. Aqui neste ar onde pedi para vocês acharem água pode haver micróbios que vão lhes matar.

Isso não pode acontecer? Não é assim que vocês se contaminam? Não é através da exposição há um micróbio ou vírus que está no ar que vocês pegam as doenças que muitas vezes são fatais? Pois bem, este micróbio pode estar aqui neste momento. Aqui neste ar que circunda vocês neste momento pode haver um micróbio que os contamine e que pode levá-los inclusive à morte. Os seres humanos não conseguem ingerir nisso, que dirá com os planetas ou o futuro da terra.

Quanta hipocrisia! Os seres humanos se imaginam capazes de conhecer o Universo, mas não são capazes de conhecer o que está ao lado deles. Imaginam-se capazes de ingerir no mundo macro que está distante dele e que pouco afeta a sua existência individual, mas não é capaz de ingerir nas coisas micros que podem afetar decisivamente na sua existência.

Para o espiritualista moderno esta realidade é ainda mais gritante. Ele, como todo e qualquer ser humano, não consegue realizar esta mesma ingerência, mas ainda se acha capaz de ingerir nas coisas espirituais. Acha-se capaz de realizar ações num mundo que não percebe, que não conhece e que segundo o Espírito da Verdade, é incapaz de conhecer ou reconhecer. Para eles, indico um trecho de O Livro dos Espíritos:

“O homem orgulhoso nada admite acima de si. Por isso é que ele se denomina a si mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater!” (Pergunta 9)

Para poder sair do seu sonho o ser humano precisa assumir a sua perenidade. O ser humano é o ser mais fraco do Universo. Ele pode acabar num instante e por motivos mínimos. Não é preciso toneladas de entulhos para acabar com ele: uma pequena pedra que caia sobre a sua cabeça pode por fim àquela existência. Onde está a fortaleza do ser humano; onde está o poder de controlar todas as coisas; para que serve toda a sua cultura?

Só quando o ser humano assumir a sua perenidade, a sua pequenez e o seu desconhecimento das coisas ele poderá começar a desligar-se do sonho de ser sábio, de saber, de conhecer...

 Estou falando muito aqui sobre mente e seu funcionamento e vocês estão querendo conhecer além do que estão falando. Estão preocupados em conhecer que parte da mente cria determinada coisa, porque cria, para que cria, etc. Mas, antes de saber estas coisas vocês precisariam saber o que é mente e nenhum ser humanizado a conhece realmente. Nem o psicólogo ou psiquiatra que estuda a mente – não estou falando de cérebro, porque esses vocês acham que conhecem apesar dos cientistas que o estuda há dezenas de anos serem surpreendidos muitas vezes com o seu funcionamento diferente – sabe o que é a mente ou como ela funciona realmente. Como, então, você quer saber como e porque ela funciona sem ter se dedicado um dia a estudar isso?

 Você não é capaz de saber tudo, mas tem coisas que pode compreender. Você, como ser humano que é, não é capaz de conhecer o que é a mente ou de saber por que ela age desta forma, mas é capaz de entender o que estou chamando de sonho. É capaz de compreender o que apegar-se ao que a mente cria traz para a sua existência. Então, aja neste sentido da maneira que age hoje para viver o próprio sonho...

Ao invés de se preocupar com o conhecimento sobre a mente, reconheça sua incapacidade para tanto e dedique-se a fazer o que lhe é possível realizar. O que lhe é possível realizar? Lutar para fugir do sonho e viver a realidade, a vida. Dedique-se a isso sem ter o sonho de que conseguirá sempre. Quando conseguir, consiga; quando não conseguir, não consiga. Aceite isso naturalmente e não se cobre por não ter conseguido.

Quem está fazendo este processo, como ele está se desenvolvendo não são coisas que devem lhe preocupar. Para você o importante deve ser o resultado e não os meios que se utiliza para consegui-lo.

Há algum tempo fiz um trabalho chamado ‘Em busca da felicidade’. Tudo o que ali foi dito se transformou num grande manual para ser feliz, se transformou em algo que se posto em prática pode garantir aquilo que diz desejar alcançar: a felicidade. Apesar disso, a maioria das pessoas não conseguiu fazer uso daquelas informações. Por quê? Porque durante as conversas eu falei em três elementos: o observador, o observado e a observação. Como estes elementos não conseguiram ser distinguidos facilmente no dia a dia, a maioria dos seres humanizados ficaram concentrados apenas em distingui-los e nada fizeram do que eu disse... Se apenas compreendessem que existe um observador que observa algo que é observado sem querer nomear estes elementos individualmente teriam tempo para por em prática os ensinamentos. Como se apegaram a idéia de conhecer, nada fizeram...

Temos recentemente feito um trabalho forte sobre a eterna busca de verdades e conhecimentos que os seres humanos vivem. Por que estamos fazendo isso? Porque enquanto o ser humano não compreender que ele, por causa da sua incapacidade de conhecer todos os elementos que o rodeia, não pode chegar ao conhecimento pleno, nada fará. Ficará estancado procurando conhecer tudo e nada realizará.

Todo ser humano é limitado e por isso tudo o que ele possui como verdade, como certo, como conhecido é relativo, ou seja, é limitado pela sua capacidade de conhecer. Sendo assim, ninguém possui realmente o conhecimento pleno nem a verdade absoluta das coisas. Tudo é só uma questão de ponto de vista, de opinião, de achar. Tudo o que um ser humano sabe é limitado pela sua capacidade de perceber todos os elementos envolvidos naquela realidade. Enquanto ele não assumir esta incapacidade e imaginar-se capaz de ter o conhecimento pleno, estará iludido pelo sonho de ser, estar e fazer que a mente cria.

Por causa desta incapacidade, neste planeta não existe verdade absoluta: tudo é relativo, ou seja, é limitado pela capacidade de percepção do ser humano. Tudo só é verdadeiro e real para aquele que acredita que é; para quem não acredita, não é...

Reconhecer a sua limitação e a sua incapacidade de alcançar a verdade e a realidade plena é o caminho para sair do sonho. Se o ser humano não caminha neste caminho, não sai do sonho e aí vive o sonho de sonhar que sabe. Se viver um sonho já custa caro ao ser humano como estamos vendo, imagine sonhar dentro de um sonho? Para vocês compreenderem o preço de viver assim, um texto antigo nosso:

Os seres humanos afirmam que sonhar com determinados acontecimentos ou posses materiais não custa nem um centavo e por isso se entregam a devaneios. No entanto, o ‘preço pago’ por estes sonhos é altíssimo.

Quem mata o tempo não é um assassino, mas um suicida.

O ser que se deixa levar pelo enlevo de um sonho foge da realidade em que vive. Perde seu tempo projetando outra vida e deixa de viver a vida que tem. Vive em um futuro de ilusão e abandona o presente concreto.

Para ser feliz é necessário ser feliz.

Quem projeta determinadas condições para ser feliz não consegue alcançar a felicidade e a ausência das condições projetadas se caracteriza em sofrimento. O ser que sonha determina as circunstâncias para a sua felicidade e não consegue ser feliz com a vida que possui.

Cada segundo é uma dádiva de Deus para que o ser seja feliz.

Cada segundo de um ser encarnado é projetado minuciosamente pelo Pai para que ele alcance a felicidade universal. Todos os detalhes de cada momento são avaliados pelo Ser Supremo para que possam proporcionar ao ser em evolução a chance de alcançar a elevação espiritual.

Portanto, meus amigos, não percam tempo sonhando com situações que Deus não projetou e aproveitem cada momento que Ele, com a Inteligência Perfeita, desenhou como o ideal para que vocês sejam felizes.

Quem sonha não vive o agora e por isso deixa passar a situação idealizada por Deus para ser feliz. Quem imagina criar situações não consegue ser feliz com as que têm.

Vivendo cada segundo com a certeza que ele foi desenhado pelo Pai e que por isto é tudo o que precisa para ser feliz, você alcançará a felicidade eterna.

O resultado do sonho é o sofrimento com a realidade.

O preço de se viver o sonho de ser, estar ou fazer é o sofrimento. Isso porque o ser humano que está vivendo o sonho só consegue momentaneamente ser o que quer ser, fazer o quer fazer e estar onde e do jeito que quer estar. Como você quer ser feliz e estar em paz se sabe que quem se apega aos sonhos de ser, estar e fazer só consegue a felicidade e a paz momentânea? Como querem ser feliz se ainda apegam-se ao conto da carochinha que afirma que existe um feliz para sempre que é vendido pela mente a vocês? Todos aqui, mesmo os mais novos, já viveram o suficiente para saber que o feliz para sempre não existe. Por que, então, persistem em acreditar que isso pode acontecer?

Todos que aqui estão já possuem experiência suficiente para saber que não adianta florear a vida. Apesar disso, ainda querem viver a flor da rosa imaginando que ela não terá espinhos algum. A vida tem rosas, mas também tem espinhos. Vocês até aceitam esta verdade, dizem que tem este conhecimento, mas na verdade nunca alcançam a flor realmente. Isso porque quando a vida lhes dá a flor vocês ainda querem mais e não se conformam com o que alcançaram.

Se a vida lhes dá um carro vocês já começam a querer outro mais novo, bonito ou potente. Se a vida lhes dá um elogio, querem sempre ser mais reconhecido e que todos os reconheçam e não apenas aquela pessoa. Se a vida lhes dá uma casa, querem outra mais ampla. Ou seja, não se contentam nunca com o que a vida dá e sempre exigem mais. Vivem assim, porque acreditam no sonho do ser feliz completo. Por isso não conseguem viver a felicidade que a vida dá.

Saber destas coisas faz parte do deixar de ser hipócrita. Viver desse jeito é hipocrisia porque, apesar de dizer que querem ser felizes, não conseguem se satisfazer com o que recebem e estão sempre exigindo mais. Enquanto esta exigência, que faz parte do sonhar que existe a felicidade para sempre e completa, não for concretizada renegam a felicidade que têm.

Ora, como já disse, vocês são seres humanos com experiência de vida e por isso sabem que isso é impossível. Sabem que nenhum ser humano jamais foi feliz absoluta e eternamente. Porque, então, não acordam deste sonho e vivem a plenitude da felicidade que têm?

Como não acordam, acreditam que a vida tem que ser vida desta forma, ou seja, que ela tem que conter sofrimento. Isso é irreal... Quantas pessoas vocês tem notícias – poucas, é bem verdade – que não precisam que a vida esteja florida para estar bem consigo mesmo e com o mundo que a cerca?

Existem pessoas que conseguem viver deste jeito. Por que você não consegue? Porque prefere continuar floreando a vida preso ao sonho de existe um Xangrilá a ser alcançado... E só vivem presos a este sonho porque se acham capazes de conhecer e dar valores a todas as coisas que lhes cercam.

Isso é importante para todos os seres humanos, mas é mais importante para aqueles que se dizem espiritualistas, para aqueles que acreditam que terão uma existência ativa depois da morte. Isso é assim porque a consciência do tempo perdido dormindo apegado ao sonho da felicidade absoluta será percebida pelo espírito quando ele sair da carne.

Existe um ensinamento do Espírito da Verdade que aborda este assunto e que pode nos dar alguma luz sobre o tema. Ele está na resposta da pergunta 14 de O Livro dos Espíritos.

“Deus é um ser distinto, ou será, como opinam alguns a resultante de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas?”

... “Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornará melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis.

Se observarmos este texto à luz do que estamos comentando neste momento (o sonho de conhecer o que não é conhecido) veremos que Kardec como ser humano que era estava preso ao sonho de que o conhecimento leva à felicidade plena. Em resposta o Espírito da Verdade diz: o essencial é acreditar na coisa e não compreendê-la.

A busca pela compreensão, como vimos na nossa conversa, só mantém o ser humanizado preso ao seu sonho de conhecer para controlar e assim poder viver a felicidade em tempo integral. Isso, para o Espírito da Verdade, é perda de tempo. O espiritualista que concentra a sua energia em conhecer o mundo espiritual acredita que sabe, quando na verdade nada sabe. Isso só o torna vaidoso. Mais: não lhe deixa fazer o trabalho que precisa executar durante a encarnação para aproximar-se de Deus: a reforma íntima.

É esta consciência que o ser universal adquire quando se liberta desta encarnação. Ou seja, ele conscientiza-se de que perdeu a oportunidade que lhe foi concedida por Deus sonhando em alcançar uma felicidade plena que não existe no mundo humano. Para eles as últimas palavras do Espírito da Verdade neste mesmo trecho:

“Deixai, conseguintemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável”.