Quando a mente disser ‘eu’, não acredite que este eu é você. Duvide do eu que a mente diz que você é.
Quem é você? Você é o motorista ou o pedestre? O aluno ou o professor? Você é aquele que é na hora que está se alimentando ou aquele que é na hora que está comprando o alimento? Você é aquele que conversa com o seu filho ou aquele que conversa com o empregado?
Repare nas definições que a mente dá de você, ou seja, de quem ela diz que você é. Na hora que está conversando com os seus empregados sua mente diz que você é uma pessoa responsável e que deve portar-se com superioridade para poder manter as coisas dentro do eixo no trabalho. Já no momento que está conversando com seu filho a mente lhe diz que você é carinhoso, amigo e que deve portar-se de uma maneira igual com quem está conversando.
Na verdade a cada momento da ‘Divina comédia humana’, o sonho, a mente lhe diz que você é uma pessoa diferente. Para cada momento ela cria valores que passam a lhe compor, e por isso eles são você, e você imagina que é aquilo.
Você não é nada disso. Toda compreensão racional que tenha sobre si mesmo não é você, mas apenas uma propositura da mente que lhe chega junto com uma força que lhe diz que aquilo é realidade. Esta razão que a mente cria é danosa para você, mas existe outra mais danosa ainda: achar que existe um eu.
Se você é aquilo que lhe compõe e se a cada momento da sua existência a mente lhe cria com elementos diferentes, quem é você? Repare: dependo do papel que está exercendo na ‘Divina comédia humana’, você é um. Quem é você afinal?
Recentemente tenho afirmado que a busca por verdades, por razões verdadeiras, não lhe leva a lugar algum: apenas lhe mantém preso ao sonho de achar que sabe, que detém a verdade. Quando disse isso uma vez alguém me perguntou: e como fica o ensinamento que diz que deve se conhecer a verdade para que ela nos salve? Eu disse: a única verdade que pode lhes salvar é saber que não existe verdade a ser sabida e que tudo que se considerar como verdade, na realidade é uma criação da mente de cada ser à qual é atribuído o valor de verdadeira.
Isto vale para tudo que a mente criar, inclusive a compreensão de quem é você. Você não é quem a mente diz que é: este é apenas um elemento do sonho que ela cria. Imaginar-se sendo quem a mente diz que é, é aceitar o personagem do sonho como sendo você. Como acordar se você não é quem está dormindo, mas o personagem do sonho?
Aplicando tudo isso, posso dizer que o conhecimento de quem é você para poder despertar teria que ser o seguinte: eu não sei quem sou. Isso porque chegar a alguma conclusão racional sobre quem é você é criar um personagem dentro do sonho. Isso deveria ser realidade para todos os seres humanos, mas deveria ser mais ainda para os que se dizem espiritualistas.
Aquele que acredita haver em si algo mais do que a matéria sabe que esta vida é apenas uma encarnação e não uma existência dele. Sabe, como diz o Espírito da Verdade na pergunta 132 de O Livro dos Espíritos, que você é um ser universal que está vestindo uma roupa de acordo com o mundo em que está encarnado. Esta roupa não é o corpo, mas a mente.
Estar encarnado não é estar ligado a uma massa humana, mas estar vivendo uma mente que possua as características necessárias para criar os elementos da provação do ser. No caso do mundo de provas e expiações, como já vimos, trata-se de viver uma mente que gere vicissitudes, ou seja, o prazer e o desprazer. Isso ela faz gerando compreensões e não situações.
Já falamos aqui: não é o que está acontecendo que lhe dá prazer ou dor, mas a compreensão que se tem do que acontece. Esta compreensão é criação da mente e, portanto, não do acontecimento. É por isso que a encarnação não se consiste em ligar-se a uma massa carnal, mas a uma personalidade humana.
Para gerar este prazer e desprazer ela precisa de personagens: você e os outros seres humanos com quem convive. Precisa mais: precisa dar características a estes personagens para que haja algo a ser satisfeito ou ferido. Como as situações mudam, é preciso que as características destes personagens também se modifiquem. Isso muda você e os outros com quem convive e por isso lhes torna múltiplos vocês.
Dependendo da situação, a mente pode conferir a você e aos demais seres humanos com quem convive determinadas características que justifique o ferimento ou prazer que ela irá criar. Isso muda você e os outros a cada momento. Ou seja, ela atribui a compreensão sobre quem você e os outros são de acordo com o sabor da onda, de acordo com a vicissitude que servirá de provação ao ser universal.
Sendo tudo isso realidade, volto a perguntar: quem é você?
Participante: no início de nossa conversa o senhor falou que devemos nos conhecer. Se formos um a cada momento, não viveremos uma hipocrisia sabendo que somos nós?
O conhece a ti mesmo é interessante. Isso porque ele não envolve um saber quem é você. Conhecer a si mesmo é identificar quem você está naquele momento por conta do fato de estar sonhando, ou seja, estar preso à realidade criada pela mente, e não saber exatamente quem é você. É saber quem a mente está lhe dizendo que é e não ser aquilo.
Não importa o que a mente diga sobre quem é você como fruto da sua busca de conhecer-se. Não acredite nisso, já que qualquer resposta a essa busca será mais um personagem criado dentro do sonho e não a sua realidade. Na verdade o conhece a ti mesmo deve lhe levar apenas a identificação do personagem que a mente está criando dentro do sonho. Identificando este personagem, você pode saber que ele não é você. Como? Dizendo para si mesmo que você não é aquilo. Mas, para isso é preciso fazer o trabalho do conhece a ti mesmo sem querer chegar a resposta alguma.
Saiba de uma coisa: o trabalho do conhece a ti mesmo como instrumento do despertar não pode ser realizado no atacado, ou seja, chegar a uma conclusão global sobre você mesmo. Ele precisa ser feito no varejo: a cada momento.
Já que em cada acontecimento que a mente cria ela lhe confere uma personalidade, um eu, é preciso que constantemente você esteja se questionando quem está imaginando ser para poder libertar-se da idéia de ser aquele personagem. A cada momento é preciso tentar identificar quem a mente diz que você está porque assim poderá identificar qual o personagem criado pela mente ela está afirmando ser você. Conhecer quem a mente está afirmando que você é não para se conhecer, mas para identificar o personagem e aí poder desvincular-se do sonho.
Este é o verdadeiro conhece a ti mesmo. Ele existe quando você reconhece que não se conhece, mesmo que a mente diz que você é determinado personagem no sonho. Quando busca a cada momento reconhecer quem se é sem identificar-se a quem a mente está dizendo que é, você pode deixar de vivenciar a hipocrisia que está sendo criada naquele momento. Só assim conseguirá sair realmente do sonho.
A hipocrisia que a mente cria tem múltiplas facetas. Como já disse, ela não se prende apenas ao errado, mas também ao certo que mente cria. Fazendo o trabalho do conhece a ti mesmo no varejo conseguirá ver a hipocrisia que está gritante, mas também conseguirá se libertar da hipocrisia de deixar de ser hipócrita quando a mente criar a idéia de que deixou de ser.
Tudo que lhe vem a razão é criado pela mente, mesmo a consciência de ter despertado. Sendo assim, quando há em você uma consciência de ter acordado, ainda estará dormindo. Este eu desperto que imagina ser é apenas uma criação da mente e não um estado seu.