Sofrimento - Textos

O espelho

Participante: e como é que chega nesse conhecimento? Pergunto isso porque as vezes a gente está com espelho bem na frente e não chega nisso?

Não parece que sempre está frente ao espelho: você está sempre frente a ele.

Quando se chega a esse conhecimento? Quando responde a um pensamento que diz que aquilo é importante da seguinte forma: ‘isto é importante para quem? Para mim?’

Depois disso é preciso outra prática que já falamos muito: a meditação. É preciso meditar sobre o que é dito pela mente. Só que meditação não é esvaziar a mente, até porque ninguém a esvazia. Quando chega à conclusão que esvaziou a mente, está com ela cheia da ideia de que está vazia.

Meditar é pensar si mesmo, pensar com você. ‘Essa ideia me alterou. Porquê? Porque isso me fez sofrer? Porque que isso é tão difícil’? Pensar você mesmo, meditar sobre você, meditar o que a mente cria.

O espelho, e isto o Santo Agostinho fala, está no outro.

Participante: mas, às vezes olho para o outro e digo: ele tem, eu não.

Pois é, o problema é esse. Você ainda está vendo o outro separado de você. O outro é você, é seu espelho.

Participante: é aquilo que você já falou: se quer paz, dê a paz.

Veja, o outro não é o outro: é você. É você mostrando a si mesmo o que é.

Participante: está complicado. Dá um exemplo na prática.

Exemplo na prática: sua filha faz alguma coisa que você não gosta?

Participante: sim.

Quem é a sua filha? É você mostrando a si as suas regras, o que não quer que ela faça.

Sua filha deixa o quarto desarrumado, não foi ela que deixou. Para sua filha, o quarto está arrumado. A desarrumação é um olhar da mãe. Foi ela que criou a ideia de uma filha desarrumada. Digo isso porque por mais que a filha arrume o quarto, nunca vai conseguir ser taxada de arrumada. A mãe sempre vai achar que a filha é desarrumada.

Porquê? Porque trata-se da mãe, ego, criando a ideia de o que a filha fez seja desarrumado para que a mãe, espírito, veja que aquela ideia está presa a critérios de arrumação. Portanto, a filha não existe. Ela foi criada pela mãe, ego, para que a mãe, espírito, visse ao que está presa.

É sempre isso quando você acha que existe o outro e que ele está fazendo alguma coisa. É o ego gerando aquela personalidade e sua ação e lhe perguntado: o que você acha disso? Vai achar aquela pessoa culpada? Se achar, o que vai fazer: vai criticá-la ou compreender que cada um tem o direito de ser, estar e fazer o que quer?

Nessa segunda parte de nossa conversa o que estou tentando fazer é acabar com os erros apontados nos outros. Preciso fazer isso porque enquanto houver um erro vai haver um culpado. Enquanto houver um culpado, você não faz o trabalho em si.

Participante; o outro é o ego projetado?

Não queira dar ciência para o que estamos conversando. Para mim esse assunto não tem ciência.

Ego projetado? Sei lá, não interessa. O que interessa é compreender que o que vê no outro é criado por você mesmo para mostrar para si o que precisa mudar.

Participante: todos estes exemplos que falou são egos. É tudo processo mental, tudo sinapse, é a mente falando com a mente.

É a mente criando uma ideia dentro dela para lhe mostrar que precisa, já que acredita nos conceitos, se libertar deles para não viver preso ao prazer ou a dor.

A acusação ao outro, o sofrimento pelo que o outro não fez, o sofrimento por isso ou por aquilo, são criações mentais que resultam da sua crença nos conceitos gerados pela mente

Participante: estou me lembrando de uma outra palestra onde uma pessoa falava sobre arrumação de cozinha e lugares definidos para coisas. O que você está falando agora é a mesma coisa?

Sim.

O caso era de uma moça que morava sozinha com duas filhas. Suas filhas comiam e largavam a louça sem lavar e não arrumavam a cozinha. A moça queria que elas lavassem e arrumassem.

Eu falei: se quiser louça lavada e arrumada, vá lá, lave e arrume. Ela me respondeu que as filhas tinham que fazer a parte delas. Isso é um pensamento humano, mas não é real. Elas não têm que fazer nada: é você que exige que as pessoas façam as coisas. Se quer algo feito, vá lá e faça, ao invés de ficar criticando e sofrendo porque não fazem o que você quer.

Nesse caso, é a mente dela que cria as filhas que não fazem. Ela as cria para poder incitar a moça, espírito, a criticar e sofrer. Esse ciclo só acabará na hora que ela entender que o que acha do outro é um recado para si mesmo.

Função espelho: o que você acha do outro é um recado para lhe mostrar a sua dependência. Dependência do egoísmo, dependência da necessidade de que determinadas coisas aconteçam para que seja feliz.

Volto a repetir, não estou falando em atos. Se tiver que brigar com sua filha, brigará. Só não sofra pelo que acha que ela não faz.