Participante: se, como o senhor diz, vivemos apenas presos num sonho de ser, estar e fazer o que caracteriza o nosso egoísmo, como podemos amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo?
Saiba de uma coisa: achar que ama alguém ou alguma coisa é o maior sonho que o ser humano vivencia. Por isso digo que é a maior hipocrisia que o ser humano vivencia. Vamos falar sobre isso...
Vamos supor que você ame a pessoa que está ao seu lado. Diga-me, porque você o ama?
Participante: porque ele participa das mesmas crenças que eu...
Está certo, este é um dos motivos pelos quais os seres humanos acreditam que amam outros. Mas, lhe pergunto: se há esta condição para amar, quando ela não mais existir você não o amará? Você ama o que, então: a ele ou a condição existente entre vocês?
Neste simples exemplo já lhe mostrei duas características do amor. A primeira é que ele é racional e não sentimental. Você só diz que ama se racionalmente encontrar motivos para isso. Isso não se restringe apenas a amores sem vínculos sanguíneos, mais a qualquer amor. Por que você ama sua mãe? Não é apenas porque ela é sua mãe, pois tem muitos que não gostam da mãe. A ama porque além de ser sua mãe ela satisfaz as suas exigências para ser amada: é sua amiga, companheira, atende suas necessidades, busca realizar seus sonhos, etc.
A segunda característica do amor humano que denota a hipocrisia é a temporalidade. Quem ama, amará sempre. Não importa o que esteja acontecendo, o ser humano continuará a nutrir aquele sentimento por aquela pessoa ou aquela coisa. Mas, não é isso que existe no amor de vocês. Ele só é sentido enquanto houver a condição estipulada para tanto. Na verdade, as duas características se interagem: o amor é temporal porque ele depende de condições para existir.
Portanto, o achar que está amando é um sonho. Se a mulher amasse realmente o marido, pouco importava se convivessem debaixo do mesmo teto ou não, ela o amaria. É isso que acontece? Não, se o marido vai embora, acabou o amor. Isso é amor ou posse? A mente diz que é amor, mas a razão que resulta da análise da vida sem romantismo nos diz que é posse, não é mesmo?
A mulher sonhando que ama e que é amada vive o sonho do ‘felizes para sempre’. Por não estar desperta não vê que o amor que o marido diz que tem nada mais é do uma satisfação por encontrar nela concordância com aquilo que ele quer. Por isso, se a mulher deixar de suprir estas expectativas, se as expectativas do marido mudarem ou se aparecer alguém que as supra melhor o amor acaba.
A consciência que a mente cria de que o ser humano está amando alguma coisa é criada apenas para mantê-lo preso ao sonho, porque é ela que sustenta a possibilidade do ser feliz plenamente. Para a mulher cria o sonho de que ela e o marido se amam; para aqueles cuja mente diz que não querem dividir sua privacidade com ninguém, dá o sonho de amar sua independência. Não importa o que a mente diga que você está amando, o que ela quer é encontrar subsídios para que você viva o que ela diz, ou seja, sonhe e não alcance a realidade. Desta forma, enquanto você está iludido com o sonho, está sujeito ao sofrimento. Preso ao sonho vai passar a vida inteira procurando a felicidade plena e não vai achá-la. Para o espiritualista isso devia ficar bem claro...
Se, como já vimos, são as consciências que a mente cria que geram as provações que o espírito pede para passar, ela precisa criar tanto a felicidade relativa (prazer), aquela que é sentida quando existe similitude entre a consciência e o acontecimento da vida, assim como o sofrimento. Sem esta dupla criação não existiria a vicissitude que, como também já vimos, é algo que deve ser vivenciado pelo espírito encarnado.
Participante: então, o amor entre seres humanos não existe...
Existe sim: para aqueles que por estarem dormindo acreditam que a posse é amor. Mas, esta crença não transforma esta razão em um amor real, mas sim algo ilusório, um sonho sonhado.
Participante: o amor real existe?
Não posso dizer que ele exista para vocês sem correr o risco de confundir a razão que lhes vem a mente sobre este tema com aquilo que imaginam estar sentindo. Se eu lhe responder que este amor existe, a sua mente juntará à minha informação o conceito sobre amar que ela já tem: a temporalidade e as condições para existirem. Isso destruiria qualquer compreensão sobre este tema. Portanto, vou lhe responder agora que ele não existe.
Sei que os espiritualistas vão me falar no amor universal, no amor que os espíritos nutrem entre si. Dirão que ele é real. Sim, existe algo que os espíritos nutrem entre si, mas não chamem isso de amor, pois se assim fizerem estarão prendendo-se às consciências das mentes sobre este tema. Assim, permanecerão presos ao sonho de estar amando...
Apesar de nesta conversa estarmos falando aparentemente contra a vivência do amor humano, deixe-me dizer uma coisa: o amor humano não é ruim nem causa mal a ninguém. Ele só prejudica ou causa mal aos que estão dormindo, ou seja, iludidos com a idéia de estarem amando ou de serem amados. Quem estiver acordado, ou seja, consciente de que está tendo uma posse ou está sendo possuído por alguém, não viverá o menor problema. Quem tem a consciência da realidade não vive o sonho do feliz para sempre e por isso não se choca quando o sofrimento acontece.
O amor humano pertence à vida e como já conversamos aqui ela não possui valores. Ela não tem bom nem mal, certo ou errado: ela é o que é. Só se a mente der um valor aos acontecimentos da vida é que eles passarão a ter um.
Sendo assim, não tenham a consciência que o amor humano é ruim: creia apenas que ele é apenas um nome que a mente usa para outra vivência.
Participante: e o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo que Cristo nos ensinou? Que amor é esse que devemos ter?
O amor humano...
Cristo não veio para ensinar o que existe no outro mundo, mas para mostrar um caminho para se aproximar de Deus, ou seja, alcançar a felicidade. Esta frase, portanto, é apenas um caminho para libertá-lo do sofrimento que faz parte do sonho da vida e não um sentimento para ser vivido.
Para você amar a Deus acima de todas as coisas e a todos é preciso acabar com as condições que a mente cria para ele existir. Para cumprir o mandamento precisa amar o tempo inteiro. Se fizer isso acabará com as características humanas do amar. Acabando com elas, você então, pode acordar, ou seja, ver que não existe uma relação amorosa entre você e seu marido, mas sim a posse. Acordado, poderá libertar-se do sofrer ou do prazer quando a mente criar estas sensações.
Repare no que eu disse: não será o amor que lhe levará a aproximar-se de Deus. Vivendo o amor sem as características humanas você não se aproximará de Deus, mas apenas acordará. Será o despertar que lhe levará para perto do Pai e não o amar. Aproximando-se dele aí, então, poderá sentir o amor verdadeiro.
Sendo assim, o amor que Cristo orienta para ter é o humano. Este amor ao invés de ser o comum, o amor a determinadas pessoas, deve ser dirigida a todos e acima de todas as coisas, ou seja, acima das suas expectativas para amar. Como tudo isso só pode ser conseguido por razão, não posso dizer que é o espiritual.
Cristo não veio para lhe cobrar a vivência de coisas do outro mundo. Ele não podia fazer isso porque compreendia que todo ser humano é incapaz dessa vivência. O que ele – e todo mestre faz por estar acordado – fez foi lhe passar novos conceitos humanos usando outros conceitos que você já tem (neste caso o amar) direcionando-os de tal forma que a compreensão dos ensinamentos lhes desperte.