Hipocrisia humana

O sonho de conhecer

Sabe, vocês são como Ícaro: possuem asas de cera de mel, mas querem alçar vôo até o sol. Reconheçam a fragilidade das asas que possuem (a limitação do poder conhecer) e voem apenas até onde podem. Não queiram voar (compreender) além do que a limitação de vocês permite. Só assim poderão chegar á realidade.

Tem uma passagem no evangelho de Tomé onde Cristo diz assim: reconhece o que é visível para você e tudo lhe será revelado. Vocês não reconhecem o que é visível para vocês e querem alçar vôos em direção ao que não podem compreender. Por isso vivem verdades e realidades para coisas que não conseguem perceber. Não reparam que elas são ilusões que só tem a intenção de mantê-los presos ao sonho hipócrita do ser feliz para sempre, do ganhar sempre.

O grande problema de acreditar nas verdades ilusórias é que isso confere a elas o poder de realidade. Acreditando nelas como reais, o ser humano vivencia o sonho de conhecer. Com isso sai distribuindo valores a todas as coisas que existem e a tudo que acontece. Mas, se estas verdades são ilusões, será que o que se acredita estar acontecendo é real?

Você consegue me dizer agora o que a pessoa que está ao seu lado está pensando neste momento? Claro que não... Afinal, ninguém consegue ver o interior do outro, não é mesmo? Mas, na sua mente existe a idéia de que sabe por que determinada pessoa fez alguma coisa...

 O ser humano sabe que determinada pessoa agiu propositalmente para lhe magoar, sabe que agiu assim porque ela quis lhe ferir. Ou seja, acha-se capaz de reconhecer a intencionalidade que está no íntimo de cada um ao participar dos acontecimentos. Ou seja, a mente cria uma realidade para os outros que não é real e você acredita nisso. Isso é estar dormindo, isso é ser hipócrita.

Pior. Mesmo que alguém, inclusive o próprio agente da ação, venha lhe dizer que não foi esta a intenção, o ser humano não abre mão da sua opinião... Ou seja, acha-se mais capaz de conhecer o interior do outro do que ele próprio.

Participante: isso é um mecanismo para satisfazer-se?

Não é um mecanismo de satisfazer-se, mas um mecanismo da mente para poder aprisioná-lo ao sonho. Você se prende ao sonho para satisfazer-se, mas não é você que usa este mecanismo e sim a mente.

O conhecimento traz poder. Quem conhece as coisas imagina-se capaz de ter o poder de controlar as coisas do mundo. A mente utiliza-se da ilusão de conhecer para mantê-lo preso ao sonho de conseguir administrar a vida para que você seja feliz para sempre. Será que você não vê que assim só se submete às conclusões que a própria mente cria e que elas não são sempre felizes?

Ninguém é capaz de lhe magoar. Se uma pessoa falar a mesma frase na frente de dez pessoas, pode ser que seis sintam-se magoadas e outras quatro não. Isso quer dizer que não foi quem proferiu a frase que criou a mágoa, mas que cada um dos que a ouviu é que escolheu esta forma de reagir ao que foi ouvido.

Se isso é assim, quem criou a mágoa? Você mesmo... Criou a mágoa por quê? Porque acreditou na intencionalidade de magoar que a mente conferiu ao que o outro disse... Por que sonhou conhecer a realidade íntima do outro neste momento...

 Repare bem. A mente lhe ilude dizendo que é importante conhecer, pois assim terá o poder de gerir os acontecimentos do mundo e conseguir o feliz para sempre. No entanto, ela usa esta mesma convicção para lhe causar o sofrimento... Quanta hipocrisia, não?

O sonho de conhecer as coisas deste mundo, de saber determinar o que está se passando a cada momento, não é uma realidade, mas apenas uma imaginação... Os seres humanos acusam as pessoas que dão asas a imaginação, que vivem no mundo da lua, como infantis, sonhadores, mas não vêem que todos vivem no mundo da imaginação, num mundo imaginado pela mente e não num mundo real.

Imaginam que porque saíram vão chegar ao local pretendido; imaginam que porque se propuseram a fazer vão conseguir; imaginam que porque tem dinheiro vão poder comprar o que querem; imaginam que porque tomaram o remédio vão se curar... Imaginam que conhecem o outro e por isso são capazes de conhecer as intenções deles; imaginam que porque trabalharam de uma forma terão determinado resultado; imaginam que sabem o que aconteceu no planeta e no Universo há milhares de anos atrás...

Todo ser humano só vive um mundo imaginário. Aliás, é este mundo imaginário que é o sonho que a mente cria para o ser humano viver. Eles não conseguem viver o mundo real porque estão presos ao mundo imaginário que a mente cria e diz que é real. Por que isso acontece? Porque os seres humanos não se desprendem deste mundo imaginário? Porque só nele podem ser quem quiserem; porque nele o outro será quem eles querem que seja; porque só nele eles podem fazer o que quiserem... Ou seja, o ser humano vive preso ao sonho porque é egoísta por natureza...

A prisão do ser humano ao mundo imaginário que a mente cria acontece porque ele quer sempre ganhar, quer ter sempre o prazer, porque busca para si o reconhecimento e o elogio sempre. Como no mundo real muitas vezes ele perde, tem desprazer, não é reconhecido e nem elogiado apega-se ao mundo ilusório criado pela mente através de um falso conhecimento. Por causa dês prisão, o ser humano não vê que no que foi dito por aquela pessoa há um recado da vida para o despertar...

Os seres humanos deveriam entender que sofrem não por causa dos acontecimentos do mundo, mas porque acreditam no ilusório conhecimento sobre as coisas que a mente cria. Sofrem porque são hipócritas ao se considerarem sempre certos e que nada precisam mudar em si mesmo. Como não compreendem esta realidade a vida muitas vezes manda recados para mostrar a eles o que precisam mudar para não sofrerem.

Quando alguém o chama de feio, por exemplo, um ser humano, ao invés de acreditar na intencionalidade de magoar que a mente atribui a quem falou, deveria entender que a vida está lhe mandando um recado: você quer ser chamado de bonito. Isso é desta forma porque quem se magoa ao ser chamado de feio é porque quer ser chamado de bonito...

Será que este ser humano não entende que beleza é uma questão individual? Será que ele não entende que existem padrões individuais de beleza? Se isso é verdade, ninguém poderá ser considerado como bonito ou feio, pois esta qualidade depende da opinião de cada um. Isso é real e vocês sabem disso, mas como ainda estão apegados ao sonho do feliz para sempre não a coloca em prática. Ainda sonham que todos vão lhe considerar bonito...

Quando a vida faz alguém lhe chamar de feio ela não está querendo lhe criticar ou magoar, mas apenas lhe alertando que esperar que todos o achem bonito um dia vai lhe fazer sofrer, já que a unanimidade é coisa que não pertence a este mundo. É isso que o ser humano não vê porque está preso ao sonho do feliz para sempre que ele sabe que não existe. Por isso, essa prisão ao sonho é uma hipocrisia.

Isto é verdade para todos os seres humanos, mas deveria ser verdade maior ainda para os espiritualistas já que o Espírito da Verdade dá o seguinte conselho na pergunta 919 de O Livro dos Espíritos:

“Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e resistir à atração do mal?”

“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: conhece-te a ti mesmo”.

Somente quando o ser encarnado conhecer a si mesmo, ou seja, conhecer como ele vivencia os acontecimentos do mundo poderá afastar-se do mal e assim atingir a elevação espiritual. Como fazer isso? Santo Agostinho respondeu no caput a desta mesma pergunta:

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma”

... “O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis?”

Tal ensinamento nos leva a entender que o primeiro grande detalhe para aquele que pretende aproximar-se de Deus é conhecer a si mesmo, se auto reconhecer. Mas, depois, vem Santo Agostinho é afirma que esse auto reconhecimento é quase impossível. Isto porque a prisão ao sonho do ser feliz para sempre lhe faz julgar-se de um modo diferente do que julga os outros. Esta prisão lhe faz viver o ilusório conhecimento sobre as coisas da vida que a mente cria como real. Sendo assim, posso afirmar que o auto reconhecimento (você saber quem é você mesmo) que o Espírito da Verdade diz que é fundamental para a elevação espiritual é um trabalho que deve ser realizado indo-se além daquilo que você acredita que está acontecendo. Fazendo isso, há o despertar.

Para que este trabalho possa ser realizado é preciso, então, que o ser humanizado vá além daquilo que acha, sabe, conhece ou imagina como certo e errado em si mesmo. Isso porque estas crenças também são falsas compreensões que a mente cria para manter o ser humano que está dormindo no sonho. É para acordá-lo que a vida faz com que outras pessoas lhe mostrem quem você é de verdade... E como este trabalho é o aspecto importante para a elevação espiritual como disse o Espírito da Verdade, o ser humano espiritualista deveria aproveitar a oportunidade de ter sido chamado de feio e se reconhecer.

Reconhecer que ele não é o ser puro que imagina ser. Reconhecer que ele, por estar encarnado num mundo de provas e expiações está vivendo a prova do egoísmo. Reconhecer que por querer ser chamado de bonito está dando asas a este egoísmo. Fazendo este reconhecimento pode, então, se mudar de verdade. Mas, ao invés de vivenciar isso naquele momento, o ser humano espiritualista prefere agir como todo ser humano: agarra-se ao sonho de conseguir ser feliz para sempre, ou seja, de que deve ser chamado de bonito por todos. Com isso não aproveita a oportunidade da encarnação.

O ser humano, tanto o espiritualista como o materialista, se apegam ao sonho, como já disse, por causa da sua natureza egoísta. Isso é assim porque somente no sonho criado pela mente eles poderão ser o que querem, fazer o que querem e estarem no lugar e da forma que querem e com isso satisfarão o seu egoísmo. Na realidade isso é impossível...

Na vida real ninguém pode ser o que quer: tem que ser o que ela determine que seja. Na vida real ninguém pode estar no lugar ou do jeito que quiser, mas tem que estar do jeito e no lugar que ela determinar. Porque nela não consegue fazer o que quer, mas faz o que a vida determina que aconteça. Como ganhar assim? Como ter prazer, alcançar a notoriedade e ser elogiado assim?

É por isso que a mente humana criou o sonho de conhecer as coisas da vida. Ele é um lugar onde o ser humano egoísta por natureza imagina poder controlar todas as situações e comandar todos os acontecimentos. Só que ele não vê que quando a mente faz isso lhe confere o status de Deus, que é quem é, quem faz e quem está.

O sonho criado para a mente, portanto, foi feito para aqueles que não sendo Deus querem sê-lo. Para aqueles que se imaginam capazes de controlar tudo e com isso atingirem a onipotência, onipresença e onisciência. É, portanto, um mundo onde se sentem bem aqueles que são egoístas, prepotentes e hipócritas, mas que não admitem que estas qualificações estão presentes em si mesmo. As confere apenas aos outros... Vivem assim, porque estão iludidos com o sonho de conhecer a si e aos outros.

Apesar de isso estar cristalino na nossa exposição, o ser humano não consegue enxergar em si estas qualificações porque está sonhando que a tudo conhece. Disse no início deste assunto uma frase de Cristo trazida pelo evangelho de Tomé: reconhece o que é visível para ti e o resto lhe será revelado. Somente quando o ser humano abrir mão do ilusório poder de conhecer e reconhecer que é capaz de determinar a realidade do momento poderá ver em si a presença do egoísmo, da prepotência e da hipocrisia. Com isso poderá se mudar.

Se isso é importante para os não espiritualistas, imagine para esses que dizem saber que estão encarnados para promover a reforma íntima.