Participante: inicialmente caminhei o caminho largo, depois passei pelo estreito, achando que ao final chegaria à tal floresta. Porém, me deparei com um deserto. Não cheguei onde achei que iria chegar, nem planejei chegar. Além disso, tudo que vejo pode ser, em verdade, apenas uma miragem ilusória. Sem destino certo, minha única opção é por não caminhar, sem nada esperar ou desejar. Descubro aos poucos que onde estou ou cheguei, tudo já está pronto e nada posso fazer, realizar ou questionar. Posso apenas me entregar em confiança a Deus e viver a sua vontade.

Pergunta: além da felicidade incondicional e diferente daquela que se sente numa floresta e ainda com caminhos a trilhar, seria a fé, entrega com confiança a Deus, uma das provações principais na vida daqueles que, como eu, a programação levou a uma sensação de ter chegado a um deserto? Ou isso também é apenas mais uma razão ou miragem ilusória criada pela mente?

Vamos conversar, porque não sei se percebeu, mas você criou uma parábola.

Tudo isso que citou, caminho largo, caminho estreito, floresta, deserto, é simbolismo, não real. Por isso, antes de responder, precisamos conversar primeiro sobre os simbolismos, para depois entender as coisas.

Caminho Largo, o que é? É aquele onde você vive a sua religiosidade, ou sua busca de Deus, de uma forma materialmente leve.

É aquele onde não há a exigência de amar o outro incondicionalmente, onde não há a exigência de respeito ao outro. É a vida vivida com a cobrança do respeito a si, que crê que basta rezar a Deus para conseguir o que deseja. Esse é o chamado caminho largo.

Durante a caminhada, o caminho se estreita quando descobre que essa busca exige alguma coisa de você. Quando exige que promova algo dentro de si. Nesse momento, o caminho fica estreito porque o que é exigido é contrário às aspirações humanas.

Não estou falando de praticar uma religião, porque religiosidade é uma prova de cada um. Estou falando da caminhada para Deus. Ela é contrária às aspirações humanas porque, de acordo com os ensinamentos dos mestres, ela é pautada por quebrar paradigmas.

A caminhada para Deus exige a quebra de verdades. Quebrar no sentido de tirar a força de verdade absoluta, real.

É aí que a caminhada vai ficando difícil. Por quê? Porque começa a lidar consigo mesmo, limpar você mesmo, abrir mão de coisas que até então eram perfeitas, importantes. Eram verdades absolutas, necessárias, importantes.

Você que está nessa busca pode dizer a si quanta coisa ou quanta importância das coisas teve que abrir mão nessa caminhada.

Continuando chega na selva. Qual é a diferença da selva para o caminho estreito? No caminho estreito, a busca da liberdade de si, de suas verdades, ainda tem, verdades, suas perguntas ainda têm respostas. Ou seja, questiona alguma coisa dentro de si e obtém uma resposta. Essa resposta você não vê, mas continua sendo tratada como uma verdade absoluta, verdadeira.

Isso acontece no caminho estreito. Quando chega na floresta, as perguntas não têm mais resposta. Na verdade, as respostas às perguntas são novas perguntas. É como se diz: o cachorro correndo atrás do rabo.

Esse é o terceiro processo: caminho largo, estreito e floresta. Na floresta, tudo que descobre é questionado novamente.

Aí chegamos ao deserto. Ele tem uma característica: é o momento em que não espera mais respostas para suas perguntas. É quando não quer saber.

Caminhar para Deus dentro de um deserto é quando você não acha mais importante saber. ‘Será que existe pito no mundo espiritual? Sei lá, se tiver, teve, se não tiver, não teve. Será que existe vida depois da vida? Sei lá, se tiver, teve, se não tiver, não teve.

Esse é o deserto. É quando você supera a necessidade de ter uma resposta, mesmo quando essa resposta é uma nova pergunta, para qualquer coisa. É quando tudo fica sem sentido, tudo fica desnecessário.

Essa é a caminhada em um deserto. Até aqui, você ainda não alcançou nada. Está apenas em uma nova etapa. Ainda não alcançou nada. Está apenas vivendo etapas do que chamou de caminhada.

Sei que essa palavra é muito usada por vocês, mas ela leva a equívocos, pois pressupõe que existam passos a serem dados, etapas a serem alcançadas, respostas que precisam ser conhecidas. Só quando chega no deserto descobre uma coisa: não existe caminhar, você sempre está e esteve no mesmo lugar.

É apenas a sua observação que muda, que anda, e não você. Você está parado. Quando tem essa consciência, você começa a chegar a ideia de que não há mais necessidade de respostas ou perguntas.

Quando chega a essa consciência, descobre que não andou um milímetro, apenas largou, abandonou coisas ao longo do caminho. É nesse momento que começa um novo sentido para a existência.

Isso é o que vocês chamam de processo espiritual de reforma íntima. É o trabalho de lidar com as verdades de um modo diferente. Isso leva a uma caminhada parada, ou seja, onde se continua o mesmo.

Quando chega a esse ponto e consegue se libertar da necessidade de verdades, começa a viver livre, solto. Nesse momento, começa a ter um novo entendimento sobre a sua existência. Não é um entendimento que não pode mais ser passado em palavras, mas é vivido internamente.

Faltou só responder à questão da fé.

Sim, há a necessidade da confiança em Deus. Isso leva a um caminhar sem precisar chegar a nada, sem exigir respostas. Isto é a fé.

Dentro desse processo que conversamos agora, de libertação da necessidade de respostas, a fé como acabei de definir, uma confiança que leva a não exigir respostas, é um elemento a ser alcançado. Essa fé é uma semente que existe no deserto. Uma semente que pode voltar a trazer vegetação para o deserto.

Então, a fé espiritual também é um elemento de que você precisa. Com isso, não estou dizendo que a fé que vocês conhecem é ruim, errada. Estou apenas dizendo que a fé humana, a racional, não faz parte do mundo espiritual. Ficou claro?

Portanto, se chegou ao deserto, arranque a fé humana da sua caminhada. Não cobre nada de você ou de ninguém a respeito de fé.

Certo? Que a paz esteja com você.

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