Vamos, então, falar da primeira vivência que deste trabalho. Vamos falar sobre comer ou não carne animal, carne vermelha, ser vegetariano ou carnívoro…
Existe neste mundo um acontecimento: comer. Entre os seres humanos existem aqueles que vivem estes momentos comendo carne ou não.
Comer é um ato físico, é vida, por isso participar dele é viver. Por conta disso não vamos falar especificamente em comer carne ou não. Mas, ao passar por este acontecimento, o ser humano tem vivências, vive internamente algumas coisas. Será sobre esta vivência interna que vamos falar e não sobre o próprio ato, sobre ingerir carne ou não.
Só que antes de falar da vivência, deixem-me dizer uma coisa. Muitas pessoas devem estar estranhando a escolha deste determinado acontecimento da vida humana para começar estas conversas. Aparentemente, haveria acontecimentos muito mais importantes para se discutir a vivência do espiritualista do que o comer ou não carne. Mas, isso não é verdade. Essa vivência é muito importante porque vai nos dar a oportunidade de traçar mais um parâmetro para o a caminhada do espiritualista.
Digo isso porque no mundo material existe uma lenda – história que não tem nenhum significado de verdade, mas que é transmitida pelas gerações – que afirma que aqueles que não comem carne são mais puros espiritualmente, estão mais próximos de Deus, são pessoas mais elevadas. Isso é lenda. Porque isso é lenda? Vamos tentar entender esta questão e ao compreender porque isso é lenda vamos, então, colocar mais um corrimão para o espiritualista alcançar a vivência real que o aproxima de Deus.
Em O Livro dos Espíritos é dito que a caminhada do espírito desde a ignorância até a perfeição é realizada em fases, que comumente foram chamadas de mundo. Também é dito na literatura de Kardec que vocês que agora estão encarnados no planeta Terra são espíritos vivendo num mundo de provas e expiações.
O que isso quer dizer? O que quer dizer ser um espírito vivendo num mundo de provas e expiações? A resposta está no próprio O Livro dos Espíritos.
Vivenciar um mundo de provas e expiações é estar vivendo um período de provações morais. Provações internas, referentes à emotividade, às sensações, a sentimentos. Estar encarnado neste mundo não tem nada a ver com provas materiais. Ser um espírito num mundo de provas e expiações é estar vivenciando provações morais.
A partir disso faço a primeira pergunta: em que a carne do boi pode interferir na moral do espírito encarnado? Nada… O máximo que ela pode causar são problemas no estômago ou disenteria. Isso porque a carne só age na carne, na matéria e não na moral do espírito.
Isso precisa ficar bem claro e como disse vamos estabelecer um novo corrimão para este caminho. Aquele que quer alcançar uma vivência espiritualista, ou seja, aquele que quer aproximar-se de Deus nesta encarnação e viver a felicidade plena, se atenta à questão moral, ou mundo interno e não às coisas materiais. Mais: ele sabe que as coisas da matéria não interferem no espírito.
“30. A matéria é formada de um só ou de muitos elementos? De um só elemento primitivo. Os corpos que considerais simples não são verdadeiros elementos, são transformações da matéria primitiva”.
“31. Donde se originam as diversas propriedades da matéria? São modificações que as moléculas elementares sofrem, por efeito da sua união, em certas circunstâncias”.
O Livro dos Espíritos
Como disse, esta questão está bem calar em O Livro dos Espíritos. Quando se fala de matéria neste livro, o Espírito da Verdade fala que a matéria humana é o resultado das diversas combinações da matéria universal. Sendo assim, a cadeira, o cimento, a tinta, o corpo humano e cada elemento do universo é a mesma coisa: é a transformação do mesmo elemento universal, que em O Livro dos Espíritos é chamado de fluído cósmico universal, que ocorre pela combinação deste elemento de forma diferente.
Mas, sobre este tema, O Livro dos Espíritos tem mais informações…
“22a. Que definição podeis dar da matéria? A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação”. (Idem)
Quando se fala da relação do espírito com a matéria, o Espírito da Verdade nos ensina que ela é aquilo que envolve o espírito e que ele usa para agir sobre ela mesma. Ou seja, matéria é algo que envolve o espírito – algo que vocês chamam de perispírito – e que o espírito usa para agir sobre ela mesma.
Se isso é verdade, pergunto: como a matéria pode influenciar a moral do espírito? Se ele apenas usa a matéria, como ela, que não usa o espírito, pode influenciá-lo internamente?
Por isso o estudo desta vivência é muito importante. Ela nos estabelece mais um corrimão para caminharmos em direção a Deus: a vivência espiritualista não pode ser influenciada pela matéria.
Nesta afirmação, não estou falando nem só da matéria que você convive através dos órgãos do sentido. Falo também daquelas que vocês não têm percepções sensoriais, como a energia espiritual. Estou falando de energias negativas, inveja, olho grande, que são enviadas sobre vocês. Isto é matéria e por isso não pode influenciar o seu aspecto moral.
Ninguém bebe porque tem um obsessor que manda energia para ele beber. A matéria não pode influenciar a moral do espírito, por isso não pode criar vícios, que é algo que faz parte do mundo interno de cada um.
É por conta desta informação que começamos nosso estudo por esta vivência, apesar de saber que muitos estão achando estranho este fato. Aparentemente não seria um assunto tão importante, mas a lenda sobre a questão daquele que não come carne ser mais puro, estar mais perto de Deus, ter uma vida em felicidade plena, influencia a muitos e por isso precisamos desmistificá-la. Só o que aproxima o espírito de Deus, da vivência da felicidade plena é a elevação moral e ela não é afetada por matéria alguma, inclusive pelas matérias inebriantes: álcool, comida ou tóxico. Mas, isso é assunto para outro dia…
Portanto, o vegetariano não é melhor nem superior ao carnívoro. Desfeita a lenda, podemos, então, conversar mais um pouco sobre a vivência do acontecimento comer carne ou não.
Depois do que eu disse, pergunto: o espiritualista come ou não carne? Não sei… Isso vai do gosto de cada um. Se você gosta de comer carne, coma; se não gosta, não coma… Comer ou não fazer isso não caracteriza evolução alguma, pois como disse, a evolução é moral e não física. É no aspecto moral que devemos estar atento e não na parte física…
Por isso, pergunto: o que é amoral na caminhada para Deus? Cristo deixou bem claro isso: a moral é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Krishna também deixou bem claro: a moral é viver sem intencionalidade. Buda também: a moral é não se apegar à paixões, posses e desejos.
É nesses aspectos que formam a moral que os mestres ensinaram que o espiritualista se concentra na sua caminhada. Ele não se preocupa em comer ou não carne, mas sim em ao comê-la ou deixar de comê-la amar a Deus acima do que está acontecendo. O que é amar a Deus acima de comer carne ou não? É estar feliz por estar com Deus e não por comer a carne ou por não comê-la.
O espiritualista se preocupa em comendo carne ou não em amar o próximo como a si mesmo. O que é comer carne ou deixar de comê-la amando ao próximo como a si mesmo? É respeitar o direito de o outro comer ou não, gostar ou não.
É isso que é a vivência do espiritualista. É isso que é analisar os acontecimentos humanos à luz dos ensinamentos dos mestres.
Sabe, se Cristo ensinou que o primeiro e maior mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas, pouco importa se você come carne ou não: ame a Deus acima daquilo que você ou outra pessoa coma.
É preciso viver em paz e harmonia comendo ou não a carne. Para isso é preciso amar o outro, ou seja, respeitar o direito do próximo alimentar-se de carne ou não. Para respeitar este direito é preciso que o espiritualista retire do seu mundo mental estas lendas que podem criar a ideia de que a atividade material pode influenciar a moral do espírito.
A matéria afetar a moral do espírito é impossível: nós já provamos isso. E olhe que eu nem usei o ensinamento da Bíblia onde Deus ainda no Jardim do Éden coloca os animais à disposição do homem para servi-lo, ou seja, para servir de alimento a ele.
Essa é a vivência. Para chegar a ela, o espiritualista vai se libertando das suas posses. Qual a sua posse neste caso? Querer determinar o que cada um pode comer. Falo assim porque possuir não é ter, mas sim querer construir uma vida, um presente. O espiritualista quando abre mão da sua posse come o que quiser e deixa o outro em paz comendo o que quer.
Isso é abrir mão da posse. O espiritualista não tem posse e por causa disso não quer determinar o que o outro vai comer. Ele abre mão da sua paixão pela carne ou por não ingeri-la. Abre mão do desejo de ter ou não carne para comer. Ele vive o que está na sua frente. Isso é celebrar a vida.
Se você se declara carnívoro, mas hoje não tem carne na sua mesa, celebre o fato de não ter carne. Sendo vegetariano, mas tendo apenas carne hoje para se alimentar, celebre o fato de haver a carne, porque foi aquilo que a vida lhe colocou.
O espiritualista não está preocupado em mudar a vida, mas em vivenciar o acontecimento. Esta vivência é a interação interna do ser com os acontecimentos da vida.
Como disse no início da introdução, não estamos aqui para criar normas, obrigações ou conceitos. Ser espiritualista não é comer carne ou comê-la. Ser espiritualista é vivenciar a vida tendo como objetivo apenas estar próximo de Deus e viver em felicidade plena. Mais nada do que isso.
É por isso que esse assunto, apesar de aparentemente não ter tanta importância foi usado como primeiro objeto de nosso estudo. Se já havíamos colocado os ensinamentos dos mestres como corrimão para ajudar o espiritualista a caminhar, agora colocamos mais um pedaço deste apoio que será usado em muitas vivências que veremos daqui para frente.
Este pedaço afirma que as coisas do mundo material não podem influenciar a moral do espírito. Elas podem, sim, testar a moral do espírito. Para isso elas servem. Vegetarianismo ou carnívoro serve para testar o quanto o ser humanizado é capaz de vivenciar as diferenças do mundo apegando-se à busca espiritual ou não.
Esse será mais um elemento que será muito usado em novas conversas que teremos.

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