Participante: nesse contexto de relação de mãe e filha, desde pequeninha tenho sempre repetido uma situação de estar socorrendo-a. Ela está sempre criando novas situações embaraçosas e eu sempre socorrendo. Acho que faço isso porque quero ser boazinha …

E não porque a ama …

Participante: sim, não porque a amo.

Porquê?

Participante: por ser filha, por ela ser mãe. Por causa dos conceitos desse relacionamento. É uma coisa complicada isso.

Essa relação mãe e filha é complicada para o ser humano porque desde pequeninha a criança pega uma boneca no colo e diz: a mamãe vai te proteger … Isso forma todo um conceito cheio de normas e regras de mamães, filhas, famílias, que um tem que cuidar do outro …

Você precisa entender que todo esse sistema está dentro da cabeça de todo ser humanizado. Não importa onde nasceu ou vive, não importa o nível social, os conceitos referentes ao relacionamento de familiares está dentro de todos. Essa é a primeira compreensão que precisa ter.

Segunda. Por causa dessa universalidade do conceito familiar, as normas e regras não podem ser alteradas de um momento para outro. Para mudar isso é preciso que faça um trabalho em si para gerar essa libertação. 

Desculpe, não é educado, mas quantos anos você tem?

Participante: quarenta e nove

Então, vai precisar de pelo menos mais uns cinquenta anos para tirar isso de dentro.

Além do tempo que despenderá, como todo ser humano irá querer acabar com os conceitos no mesmo dia. Mais: acha que nunca mais vai usá-los. Por isso, quando não conseguir o que acontecerá? Acontecerá a contrariedade por não ter conseguido …

Portanto, o único caminho é aceitar-se como é, mas fazendo isso se auto conhecendo: ‘ajo assim porque aprendi que é assim que se vive. Não sou melhor ou pior do que ninguém por causa disso’. Viver com essa consciência faz o conceito perder força, já que é vivido por viver e não mais por obrigação, porque é o certo. Vive dessa forma porque a vida acontece desse jeito e não para alcançar a sensação de realizar o que é preciso ser feito.

Deixe-me dar um exemplo antigo. Havia dito há algum tempo que vocês são livres e que não precisam andar de sapato. Naquele momento alguém disse que no trabalho é obrigado a ir de sapato. Respondi: sua liberdade deve chegar a tal ponto que vai em um trabalho que obriga usar sapato sem sentir-se obrigado a usar sapatos. Vai de sapato porque vai de sapato e não porque o lugar exige que vá calçado.

Não é a mesma coisa que estou falando agora? Começar a viver o que vive por viver e não fazer porque é sua mãe, porque é certo, porque é obrigação de filho cuidar da mãe, porque a sociedade vive desse jeito. Fazer simplesmente por fazer…

  Participante: e não porque quer ser uma boa filha …

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