Falar de vida carnal sem falar de carma é quase impossível. Todas as religiões que consagram a vida eterna para o ser universal falam na existência deste evento da vida espiritual. No entanto, muitas vezes achamos que conhecemos o assunto, mas esse conhecimento é restrito apenas ao sentido material da palavra, que, na verdade, é uma verdade individual. O desconhecimento, ou conhecimento com o sentido relativo do tema, dificulta a compreensão da vida e faz com que o ser universal perca-se no materialismo. O carma é um exemplo disto.
No ocidente, o carma foi ensinado pelo espiritismo de Kardec. Este ensinamento ganhou a conotação de penalidade. Assim, o carma passou a ser compreendido como uma pena que se recebe por atos anteriores. Segundo esta visão, para passar pelo seu carma necessariamente é preciso passar por uma situação de sofrimento, de contrariedade. É esta verdade que se formou a partir do ensinamento de Kardec.
Deste conhecimento surgiu ainda o conceito de expiação. Passar pelo seu carma é expiar, pagar uma falta, sofrer uma condenação para pagar erros anteriores. Esta é a ideia que o mundo ocidental possui de carma.
No entanto, o ensinamento do carma é muito mais antigo que Kardec e do que o próprio Cristo. Ele provém do oriente e o próprio Lao Tzu já falava em carma dois mil anos antes de Cristo. Para aqueles povos, o carma possui uma conotação completamente diferente do conhecimento ocidental.
O que é um carma, qual o real sentido deste componente básico e fundamental da vida carnal? Carma é uma reação a uma ação. Tudo que seja reação a uma ação anterior é carma. Aliás, este mesmo entendimento é estampado no dicionário da língua portuguesa: “o conjunto das ações do homem e de suas consequências” (Mini Dicionário Aurélio – 3a Edição).
Carma é simplesmente uma reação. Quem hoje planta, amanhã colhe; quem hoje constrói, amanhã habita. Isto é um carma. No entanto, quem planta e não colhe também vivencia um carma, pois ele é reação ao modo de plantar. Quem planta de uma forma, colhe; quem planta de outra, não colhe. Qualquer dos dois resultados é carma da ação de plantar deste ou daquele modo.
O resultado da ação não se constitui propriamente em uma penalidade, mas simplesmente em uma reação justa. Não existe carma positivo (glória) ou negativo (punição). Estes valores dualistas, quem coloca é o próprio ser ao querer satisfazer o seu individualismo, os seus desejos.
O carma é simplesmente reação no justo valor e medida com que o ato é feito. Desta forma, se o ser perde a colheita, não há aí uma penalidade, mas apenas a justa reação à sua intenção na hora de plantar.
Perder a colheita não é uma pena, um castigo por não ter plantado direito, mas simplesmente porque uma ação leva a uma determina reação: carma. Podemos, então, afirmar que carma é simplesmente o resultado de uma ação, sem conotações positivas ou negativas.
Quando se fala, por exemplo, que uma pessoa nasceu com determinado carma, deve-se entender que ela veio com reações predeterminadas para ações anteriormente praticadas (vidas anteriores). Este entendimento, porém, no mundo ocidental, está ligado ao sofrimento, a uma pena.
Os seres ocidentais afirmam que nascer com determinado carma é ter que pagar ou passar por sofrimentos para expiar o que causou a outros. Isto, entretanto, não é verdade. Nascer com um carma predeterminado, e todos nascem com isto, não se trata de penalidade, mas simplesmente de reação a uma ação anterior. O carma é a Justiça Perfeita em ação.
Durante a vida (existência carnal), compreendendo que está recebendo de Deus apenas o resultado de suas vidas anteriores (Justiça), o ser pode vivenciar os seus carmas sem sentir-se infeliz. O carma, na verdade, não é bom nem mal, certo ou errado, bonito ou feio, mas é perfeito, porque é a justa medida da ação no plantio.
No entanto, a Justiça divina não é punitiva, mas tem como base o Amor Sublime. O objetivo do carma é sempre dar ao ser uma oportunidade de elevação espiritual, melhoria espiritual. Isto, porque como já vimos, Deus é Justiça Perfeita, mas é também o Amor Sublime.
O carma é administrado por Deus através da Sua ação como Causa Primária das coisas. Esta ação é o justo valor de retorno daquilo que cada um fez anteriormente, mas o objetivo primário de todo carma é auxiliar o espírito na sua elevação. Deus não penaliza seus filhos, mas está sempre buscando, através do carma, oferecer uma nova oportunidade para que o ser universal se depure e possa, assim, alcançar o universalismo. Esta é a intenção primária do carma.
Com este conhecimento fica bem mais clara a impossibilidade do carma ser uma punição, motivo de sofrimento, pois ele além de ser justo é amoroso.
Dentro da conotação espírita do termo carma, também houve uma inverídica compreensão para a expiação. Expiar é apenas vivenciar o carma, ou seja, passar pelas justas reações a ações anteriores. Foi só a partir do conceito de que carma é pena que a expiação tornou-se sofrimento.
Expiação não é sofrimento, mas simplesmente vivenciar um carma. Expiar é receber a justa medida daquilo que se plantou com a consciência de que o acontecimento é justo e amoroso. É viver as situações amando a Deus e sentindo-se amado por Ele. Por isso foi dito: “Todavia, para alcançarem essa perfeição, devem suportar todas as vicissitudes da existência corporal; nisso é que está a expiação” (O Livro dos Espíritos – pergunta 132).
A compreensão de que expiação é penalidade por atos anteriores surgiu da verdade relativa de que o ser necessita pagar débitos anteriores. No entanto, o ser não pode criar dívidas em momento algum, porque é incapaz de ferir os outros.
Como já afirmamos o Universo sempre está equilibrado. Ele não se desequilibra para se aprumar depois. Se um ser, por exemplo, nutre raiva, este ato espiritual é o equilíbrio do Universo. Mesmo que este sentimento seja individualista, contrário à natureza universalista, ele não pode desequilibrar o Universo, pois é real e tudo que é realidade é o Universo.
Tudo já está previsto por Deus antes do acontecimento, pois as opções que podem surgir da utilização do livre arbítrio são analisadas pela Inteligência Suprema. Através da Causa Primária o Pai está sempre comandando as interações para que o Universo mantenha-se perfeitamente equilibrado. Se não houvesse este equilíbrio poderia acontecer uma injustiça e, neste momento, o Pai não mais poderia governar o Universo. Deus, por suas capacidades elevadas ao expoente máximo, é incapaz de errar.
Desta forma, nenhum ser é capaz de gerar débitos, ou seja, ofender ou ferir outra pessoa. Todos os envolvidos no acontecimento estão vivendo os seus carmas individuais. Quem age está vivendo o seu carma, mas quem recebe também. Se alguém grita com você, é o carma dela gritar, mas o seu é receber o grito.
No entanto, aquele que recebe a ação possui o livre arbítrio de escolher um sentimento para reagir a ela. Quando este ser age desta forma cria o seu carma, ou seja, uma determinada reação para aquela ação. Esta nova ação (resultado do carma gerado pela ação anterior) não será punição ou reparação de danos, mas simplesmente uma nova oportunidade de elevação.
Exemplifiquemos: existe uma situação onde o ser tem que agir. Neste momento pode utilizar como base para vivenciar a ação o benefício próprio ou o bem coletivo (universalização). Escolhendo o benefício individual não gerou débito para com o outro ou com o Universo, mas apenas não conseguiu provar a Deus que é capaz de amar ao próximo como a si mesmo. Por este motivo terá que fazer a prova mais uma vez.
A expiação (carma) não é punição por ter agido de forma errada, mas trata-se de uma nova chance de chegar à perfeição, alcançar a elevação espiritual. A partir desta visão retira-se toda conotação de punição tanto do carma como da expiação e se participa do Universo dentro de sua realidade: o amor de Deus em ação.
Com esta visão, com esta compreensão sobre os mecanismos da existência espiritual, encarnado ou não, não existem mais motivos para sofrimento, angústia, depressão, aborrecimentos, etc., restando apenas a felicidade de participar de um Universo Perfeito, cujos acontecimentos são justos e amorosos.
O carma é o motor do universo, ou seja, tudo o que acontece no universo é carma, pois todos os acontecimentos são reações a ações anteriores. Portanto, não existe ação (acontecimento) no universo que não tenha sido provocada pela ação do carma (reação a uma ação anterior).
Toda ação do ser humano é simplesmente resultado de uma ação anterior ou como Jesus Cristo nos ensinou: receber de Deus conforme a sua obra. Esta obra não é o ato físico em si, mas representa a escolha sentimental que o ser faz em cada momento de sua existência.
Assim, não adianta o ser humano querer alterar o acontecimento atual, pois ao praticar anteriormente um determinado ato, plantou esta reação para si. É preciso alterar a forma de participar da ação atual para que se coloque em ação um carma diferente deste.
Como já vimos, os atos foram escritos anteriormente. Por isto, podemos afirmar que o carma é o caminho predeterminado pelo próprio espírito caso optasse por aquela escolha sentimental em um determinado momento. Sendo assim, o carma independe de uma vontade de Deus, mas é uma opção individual de cada ser antes do nascimento.
O ser, ao escolher um determinado sentimento durante um acontecimento gera um carma, ou seja, um caminho (acontecimento) predeterminado por ele mesmo. Quando faz esta opção, o ser, de posse de toda a consciência espiritual, busca o melhor para si mesmo face à eternidade em que viverá e não a satisfação pessoal. Como nos ensinou Allan Kardec:
Sob a influência das ideias, o homem na Terra só vê das provas o lado penoso. Tal a razão de lhe parecer natural sejam escolhidas as que, do seu ponto de vista, podem coexistir com os gozos materiais. Na vida espiritual, porém, compara esses gozos fugazes e grosseiros com a inalterável felicidade que lhe é dado entrever e desde logo nenhuma impressão mais lhe causa os passageiros sofrimentos terrenos. Assim, pois, o espírito pode escolher prova muito rude e, conseguintemente, uma angustiada existência, na esperança de alcançar depressa um estado melhor, como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável para se curar de pronto. Aquele que intenta ligar seu nome à descoberta de um país desconhecido não procura trilhar estrada florida. Conhece os perigos a que se arrisca, mas também sabe que o espera a glória, se lograr bom êxito.
A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas existências e as provas que devamos sofrer deixa de parecer singular, desde que se atenda a que os espíritos, uma vez desprendidos da matéria, apreciam as coisas de modo diverso da nossa maneira de apreciá-los. Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, veem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza para atingirem aquela meta. Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes da existência corpórea, solicitando as que possam fazer a que alcancem mais presto. Não há, pois, motivo de espanto no fato de o espírito não preferir a existência mais suave. Não lhe é possível, no estado de imperfeição em que se encontra, gozar de uma vida isenta de amarguras. Ele o percebe e, precisamente para chegar a fruí-la, é que trata de se melhorar. (O Livro dos Espíritos – Pergunta 256).
O carma, como fruto do livre arbítrio do ser antes da encarnação, como opção individual de cada um, não pode ser encarado como sofrimento. Ao contrário, ele é o caminho da busca da felicidade eterna (Bem-Aventurança) dentro da consciência espiritual de cada um. Apenas aquele que vive para si mesmo (individualismo), buscando o gozo do prazer material é que o encara como penalidade e à expiação como pagamento de débitos, penas.
Um espiritualista, um ecumênico universalista não pode acreditar em Deus como Amor Sublime sem entender o carma como uma justa e amorosa medida para lhe auxiliar. Se acreditar no carma como gerador de sofrimentos, como penalidade ou débitos, não terá jamais a consciência do Amor de Deus. Um Pai amoroso não penaliza o seu filho.
Deus ama: a única ação do Pai é o amor. Ele não pode penalizar. Todo ato amoroso visa auxiliar, apoiar, servir. Na verdade, quando o ser humano passa pelo seu carma como penalidade ele está sendo amado, mas pelo fundamento da sua vida (individualismo, prazer, satisfação individual) sente-se penalizado.
Podemos comparar esta ação universal à ação individual de uma mãe. Quando ela coloca seu filho de castigo não tem como objetivo penalizá-lo, fazer com que ele passe por sofrimento. O seu objetivo é auxiliá-lo na sua evolução. É um ato de amor e não uma pena. O filho é que se sente penalizado, que escolhe sofrer quando é amado, que se sente punido.
Isto é básico para se entender vida (existência carnal), que será nosso próximo assunto.

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