Há muitos anos atrás, nesta data, a princesa Isabel assinou a chamada Lei Áurea que, oficialmente acabou com a escravidão no Brasil. Isso é o que nos afirmam os livros de história, mas será que é realidade? Será que apenas uma lei pode acabar com alguma coisa?

É considerada escravidão o regime de sujeição do homem e utilização desse para fins de lucros individuais. Escravo é aquele é dominado por outra pessoa e sujeitado a trabalhar para o seu senhor com a finalidade de obter lucros para aquele.

O que diferencia o trabalho livre do escravo é a sujeição, ou seja, “tornar obediente ou dependente, constranger ou coagir a outrem” (Mini Dicionário Aurélio).

Analisando por esse aspecto, podemos afirmar que a Lei Áurea acabou com a coação e o constrangimento a outrem para que obedeça aos desejos do seu senhor? Será que essa lei deu realmente a liberdade aos seres humanos? Basta analisarmos o dia a dia da vida de qualquer ser humano para compreendermos que isso não ocorreu.

Ainda hoje os senhores de escravo estão por aí. Não mais contraventores ou negreiros que praticam uma atividade ilícita, mas professores da lei que se baseiam nos critérios dualistas (certo e errado, bonito e feio, moral ou amoral, bom ou “mal) ditados pela sociedade para escravizar os outros seres aos seus desejos.

Transforma-se em senhor de escravo todo aquele que quer comandar a vida de outro, por meio da coação e do constrangimento. Todos aqueles que apontam os erros dos outros, todos aqueles que querem consertar os outros, todos aqueles que querem ditar normas de procedimento padronizadas.

Age desta forma para buscar o lucro individual: o prazer. Está sempre preocupado que suas leis e seus padrões individuais sejam satisfeitos pelo próximo como se somente ele conhecesse a verdade das coisas.

Da mesma forma que os senhores de ontem, utiliza a força bruta para coagir o próximo para que trabalhem em seu benefício. Não mais a chibata de couro, mas a de carne. Ao invés do chicote impiedoso, hoje utiliza a língua para coagir e constranger seus escravos. Não mais o tronco, mas os gritos e críticas que humilham o próximo.

Não se vende mais o escravo por valores pecuniários, mas ainda se negocia com o próximo para se obter lucro. Quando seu escravo não mais o satisfaz, ou seja, o amigo não mais concorda com tudo que o ser humano professor da lei afirma (ousa contrariá-lo), o senhor de escravo o troca imediatamente por outro que lhe satisfaça.

Ontem o escravo era o preto, hoje não existe mais distinção de cor. Todos que convivem com o ser humano professor da lei se transformam em escravos (fonte de lucro individual) independentes de sexo, cor ou qualquer outro critério, inclusive o afetivo.

Quantas vezes o moderno senhor de escravo coage e constrange o próximo em nome do amor? São os pais que querem que o filho siga a carreira profissional que eles escolheram; são os cônjuges quando, em nome de um padrão de organização individual, querem sujeitar o outro a seus padrões; são os amigos que obrigam o próximo a serem cópias suas para continuar com a amizade.

Todos estão sempre procurando tornar o próximo obediente aos seus desejos. Na verdade se relacionam não por amor, mas sempre visando criar a dependência deles para dizer o que é certo ou errado.

Que amor é esse? Isso é amor ou posse? Onde a liberdade conferida pela Princesa Isabel? Ninguém é livre verdadeiramente, nem aquele que busca escravizar o próximo, pois ele serve a uma sociedade. Todos os padrões que necessita para ser feliz na verdade não é dele, mas do mundo em que vive. Ele se escravizou ao mundo que vive.

Agora, passado mais de um século que a Lei Áurea foi promulgada, é preciso que a liberdade chegue ao país. Não a falsa liberdade, aquela concedida apenas no papel por uma lei, mas a verdadeira liberdade.

Está na hora dos senhores de escravo (os professores da lei, aqueles que se julgam detentores da verdade) promulguem a alforria de seus escravos. Para isso é fundamental a doação da razão.

A carta de alforria consiste em dar ao próximo o direito de ser e fazer aquilo que quiser. Se o seu amigo quer fazer uma coisa, você não tem o direito de constrangê-lo a não fazer. Se o seu filho quer ser lixeiro, dê a ele o direito de ser feliz fazendo o que gosta. Se o seu cônjuge não aceita os seus padrões, dê a ele o direito de viver a sua vida dentro daquilo que considera certo.

A maior expressão da liberdade é dar ao próximo o direito de ser diferente de nós mesmos. Os grilhões de nossos escravos só serão quebrados quando deixarmos produzi-lo para si mesmos e não mais para nosso benefício.

   Doar a razão ao próximo é saber que eles sempre estão certos porque acham que estão. Ninguém faz nada errado a partir do seu ponto de vista. O erro nasce sempre do ponto de vista do outro, daquele que julga a ação. É o senhor de escravo que escraviza aquele que é livre.

Deus deu o livre arbítrio, ou seja, a liberdade integral de ser quem quiser ser, mas o senhor de escravo não quer permitir que isso se torne em realidade. É por isso que Cristo condenou de forma veemente os professores da lei.

Para o mestre nazareno os senhores de escravo são como túmulos: caiados por fora, mas podres por dentro. Aparentemente agem em nome do amor, mas por dentro nutrem a vaidade, o desejo, o prazer. 

É preciso que eles concedam a alforria aos seus escravos, mas para isso é imprescindível que também se libertem da escravidão em que vivem. É necessário acabar com a submissão aos padrões da sociedade.

A verdadeira liberdade é agir com felicidade. No entanto, ela muitas vezes é trocada pela busca do elogio ou da fama.

Vestir a roupa certa, mesmo que ela incomode, calçar o sapato adequado, mesmo que aperte, apenas para não ser criticado por não estar vestido adequadamente ou fora da moda, é escravidão aos padrões da mesma sociedade que o ser critica.

A escravidão já foi extinta no papel, mas quando a liberdade será alcançada? Quando o ser humano agirá buscando a felicidade dando ao próximo o direito de também ser feliz ao invés de se escravizar aos padrões e querer transformar o próximo também em escravo?

Nesse dia, em que se comemora o dia do preto velho, trouxe aqui um pouco da sabedoria daqueles que já foram escravos e não se deixaram escravizar.

Os mais novos, quando caçados e dominados aceitavam a escravidão tanto do corpo quanto da alma. Perdiam a sua liberdade escravizando-se ao seu senhor por intermédio do ódio. No entanto, na velhice, quando descobriam que podiam entregar apenas o corpo à escravidão, eram livres para serem felizes, não importando a sua situação material.

Mesmo que o corpo sofresse a chibatada, o espírito livre viajava pelas pradarias de onde fora retirado. Mesmo que trabalhasse de sol a sol, o preto velho vivenciava a paz de espírito da liberdade de poder estar onde quisesse no seu pensamento.

Meus filhos, que vocês aprendam à lição: deixem o corpo ser escravizado pelo mundo carnal, mas jamais a alma. Entregue o seu corpo à escravidão da matéria, da sociedade em que vivem, mas não se entreguem a ela. Não deixe que os acontecimentos do mundo escravizem vocês.

Havendo a fome, louve-se em Deus; acontecendo a necessidade, regozije-se no Pai; ocorrendo a desavença, concentre-se no Bem Maior. Não se deixe engabelar pelo prazer físico, pela satisfação dos desejos; não se escravize a padrões sentimentais.

Proclamemos a nossa Lei Áurea e nos libertemos e concedamos a liberdade ao próximo.

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