Participante: vamos imaginar uma situação prática, então. Ando na rua e o semáforo está quebrado. Aí, eu vejo que ali tem o risco de acontecer acidentes. Só que ao invés de esperar que o governo conserte…
Se estiver dentro da sua capacidade, conserte …
Claro que tudo o que estou falando depende da capacidade de cada um. Não estou dizendo que saia fazendo aquilo que não está preparado. Por isso é mais fácil falar do buraco. Jogar areia no buraco qualquer um pode fazer.
Participante: mas eu posso pegar um apito e ficar lá organizando os carros para não baterem, e assim ser um instrumento para evitar acidentes. Eu, como sou hoje, não faria isso.
Claro, nenhum de vocês faria. Preferia parar em baixo do sinal e dizer “olha só que governo safado que não conserta o sinal”.
Participante: isso é o que a gente faz hoje. Aí, eu tinha de pensar por que eu não faria. É mais ou menos assim?
Não, não é porque você não faria, mas sim entender que quando entrega na mão do governo a culpa do sinal não estar funcionando, está entregando a rédea da sua vida. Ter a consciência de que está deixando que eles influenciem em seu mundo interno.
É isso que é entregar a vida a outro: dar o direito de lhe ferir, de lhe fazer sofrer.
Participante: mas naquela situação que tem um risco de acontecer acidente, isso me faz sofrer muito, isso me incomoda muito. Por outro lado, não quero perder a minha vida parado num sinal, não quero ter desvantagem de estar fazendo aquilo, pois sei que essa ação poderia me prejudicar. Como lidar?
Você não quer se prejudicar perdendo o seu tempo, mas se prejudica sofrendo. Olha o que a sua mente está dizendo: ‘é mais fácil sofrer do que ficar aqui. Pelo menos assim eu trabalho o dia inteiro, ganho meu dinheiro e não faço o que outro poderia estar fazendo e não faz. Olha só que besta sou eu’.
Mas, se você não fizer por ele, ele não vai fazer por você.
Se não entenderam, disse – volto a dizer que estou falando de atos só para ilustrar –, que ninguém tem o poder sobre você, mas que você tem o poder sobre todos. Você é capaz de influenciar o mundo interno dos outros, mas eles não têm de influenciar o seu, a não ser que você deixe. Compreendendo isso e assumindo esse poder, cada um faz a sua parte e a sociedade como um todo vive bem. Só que, ao invés de fazerem a sua parte, só ficam reclamando uns dos outros.
Participante: ficou bem claro agora, que é uma escolha também. Você pode optar pelo que te faz sofrer menos. Eu posso optar. Se me faz sofrer mais aquela situação de correr risco de acidente, eu vou lá e ordeno o tráfego. Agora, se me faz sofrer mais eu fazer o que os outros não fazem, fico quieto e não reclamo do trânsito.
Estamos falando da crise institucional porque o objetivo dessa conversa é analisar os dias de hoje, mas isso vale para o casamento. O ser humano casado ao invés de fazer o que acha que deveria ser feito dentro de casa prefere reclamar de quem não fez. Prefere sofrer porque o outro não fez o que ele queria. Se o outro não fez, ao invés de ficar sofrendo, pegue e faça.
O que estamos falando aqui vale para todas as coisas dessa vida.
Participante: só fazemos a nossa parte quando vemos o outro também fazendo a dele.
Isso. Esse é que é o problema: você entrega aos outros o comando da sua vida.
Participante: são poucas as pessoas que têm a virtude de fazer o que os outros não fazem.
Isso. Dessa forma, vivem sofrendo e não fazem nada por sua própria felicidade. Só que eu tenho a grande notícia: as crises de poder, ou seja, da pessoa ser contestada no seu querer, vai aumentar, seja no sentido institucional ou no privado. Por isso, vocês vão sofrer mais ainda. Se gostam, continue pensando como pensam.
Participante: aqui na nossa cidade tivemos um exemplo do que o senhor está falando. Nós montamos uma loja aqui e tinha uma poça de água enorme que fazia tempos que estava lá. Aí, um dia eu falei “poxa, todo mundo fala dos mosquitos e ninguém faz nada”. Aí, fui lá e sequei a rua. Sabe o que é que ouvi no outro dia deles: “você é tonto, isso é coisa da prefeitura, como é que você põe a mão aí?”.
Mas quem ia ser mordido pelo mosquito? A prefeitura? Claro que não; era você! Quem ia ser mordido era seu vizinho.
Participante: mas, eu fui chamado de tonto.
Pois é, as pessoas preferem criticar ao invés de fazer por si.
Participante: você está falando aí de governo, mas isso vale para qualquer situação da vida: familiar. Por exemplo, estávamos no hotel ontem comentando: a luz do corredor não funciona, a internet não funciona, a descarga não funciona, ar condicionado, a administração do hotel não funcionava. Todos nós estávamos sofrendo. Porque simplesmente não trocamos de hotel?
Perfeito. Se não está gostando do hotel, vá para outro.
Adianta você reclamar do hotel que está? Não. Você também não vai consertar dentro da casa dos outros. Então, o que você faz? Vai para outro hotel. Não hora que ninguém mais for naquele hotel, tenha a certeza que eles vão procurar os motivos e consertar o que desagrada os hóspedes.
Participante: ao invés de reclamarmos, podíamos até mesmo reportar o problema para a administração do hotel, pois as vezes nem reportar isso fazemos …
Ficam só parado reclamando. Exatamente isso.
Participante: se o nosso objetivo fosse realmente buscar a felicidade, pouco importaria o que acontece na vida: faríamos e não olharíamos para quem não fez …
Se o objetivo fosse a felicidade, pouco importaria o que você fizesse na vida. Mas, o objetivo de vocês ainda não é a felicidade.
O bem-estar, para vocês, faz parte da felicidade. Então, se podem aparar arestas, se possuem capacidade para tornar o ambiente melhor, faça. Isso facilita a sua caminhada em busca da felicidade.
Participante: uma preocupação do ser humano é como ele vai ser classificado pelos outros. Às vezes ele faz uma coisa e é, por exemplo, taxado de bobo. Então, de uma próxima vez, a pessoa fala “puxa vida, fui taxado disso, então, não vou fazer mais”. Isso inibe a iniciativa das pessoas.
Você está dizendo que a crítica que recebe por fazer uma coisa que não seria da sua obrigação muitas vezes pode inibir de agir outras vezes. Se deixar isso acontecer, continua entregando a rédea da sua vida ao outro: a quem lhe criticou.
Você estaria dando o direito a ele de ser o causador do seu sofrimento porque vai continuar vivendo com a poça d’água, sendo mordido pelo mosquito, só para ser chamado de bobo.
Participante: ser chamado de bobo não seria o preço a pagar por fazer o que lhe faz feliz?
Não entra nessa de preço a ser pago. Isso ainda gera a ideia de uma perda e com isso a mente não compactua. Assuma só o seguinte: ninguém pode ser o responsável pelo que você vive.