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Participante: tem como se desviar do caminho?

Tem. É só se deixar cegar pelas posses, paixões e desejos.

Participante: isso é muito fácil, não?

Sim.

Participante: é por isso que o senhor diz que não há onde descansar a cabeça?

Sim, é preciso estar o tempo inteiro vigilante.

Participante: você comentou que a sangha poderia ajudar nesse processo. O que é preciso para se montar uma?

Pessoas que busquem a mesma coisa que você. Pessoas que entendam que esse é o caminho. Estou falando de afins, de afinidades. Para se montar uma sangha é preciso encontrar afins. De nada adianta convidar alguém para uma comunidade se ele não tiver afinidade com o propósito dela.

Perguntas? Não há? Isso quer dizer que já entenderam tudo e que podem sair daqui agora e começar a fazer, não? Por acharem que sim, pergunto: vão fazer o que?

Participante: nos harmonizar …

Sim. Como vão fazer para harmonizarem-se?

Participante: analisar a vida e tentar me harmonizar com ela.

Para fazerem isso acho que imaginam que precisam acabar com suas posses, paixões e desejos, não?

Participante: foi isso que eu entendi …

Mas, não é isso. Vocês não conseguem acabar com essas coisas.

Esse é o grande barato da vida: precisam acabar com essas coisas que lhes cega, mas não podem fazer isso. Digo isso porque se imaginarem que têm que fazer, já estão tendo uma posse, querendo comandar a si mesmos, demonstrando uma paixão e entregando-se um desejo.  E agora?

Participante: eu é que pergunto: e agora?

É simples. Vou falar disso …

Há um sutta, um discurso de Buda, onde o Iluminado está conversando com os seguidores. Durante essa conversa dois destes chegam perto e dizem que querem ir para terras distantes. O Buda, então, lhes pergunta se eles sabem o que o mestre deles ensina. Os seguidores dizem que não e que se chegaram nesse momento justamente para ouvirem isso. Como fundamento dos ensinamentos do Iluminado, eles ouviram o seguinte: não se apegue as suas posses, paixões e desejos.

Para poder ser emocionalmente inteligente não é preciso deixar de ter posses – até porque, isso é impossível – mas sim apego as elas. Não é que não possa ter paixões – certamente terá, pois é impossível se viver sem elas – mas o que não deve ter é apego àquelas que têm. Não é que não deva ter desejos, pois sempre os terá, mas não deve ser apegado ao que é desejado.

O que é se apegar às suas posses, paixões e desejos? É achar que elas precisam existir para que você seja feliz. É achar que elas têm que ocorrer porque são o certo, o justo de acontecer. Isso é apego aos elementos que causam cegueira no ser humanizado, mas achar que precisa acabar com elas também é apego a eles.

O emocionalmente inteligente continua achando que o chefe dele deveria agir diferente (posse), que por conta disso o seu emprego é uma porcaria (paixão) e sonha em encontrar um novo emprego (desejo). Achando isso, ele analisa a situação e vê que o chefe não vai mudar, que sua opinião sobre o emprego também não, bem como o seu anseio de conseguir um novo lugar para trabalhar. Sem deixar de achar o que pensa, esse ser, frente a sua incapacidade de mudar o mundo, muda a si mesmo: não aceita o sofrimento proposto pela mente. Isso é ter a posse, paixão e desejo e não ser apegado a elas.

Eu chamo esse processo de choque da realidade. Você precisa se chocar com a realidade que tem. Chocar não no sentido de achar ruim, mas dela produzir em você um choque. Sendo chocado pela realidade, você precisa reagir e dizer: ‘ela é assim, não tem jeito. Eu é que preciso me adequar ao mundo e não ele que que precisa tornar-se o que eu espero dele’.

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