Participante: alguns pensamentos parecem não surgir do mesmo lugar de sempre. A impressão é de que são de outra pessoa. Será que isso é só mais uma palhaçada da mente egoísta?
Sim. Esta ideia é mais uma geração mental para lhe prender ao que a personalidade humana cria como verdade ou realidade.
O problema não é o que é pensado, mas apegar-se a qualquer declaração que a mente faça através de formações mentais. O pensamento que você pode falar o que quiser, pode criar as realidades mais lógicas ou absurdas que criar, mas você precisa se libertar dele. Não se libertando, ele ganha força e cada vez mais criará ideias a respeito daquele assunto e você continuará crendo nelas, pois não estancou a fonte da realidade.
Vivendo assim, certamente um dia aquela realidade ofenderá uma paixão ou crença que está na memória da sua personalidade e nesse caso terá um problema para resolver, ou seja, sofrerá.
Participante: o que magoa o próximo é o ato. Neste caso, como fazer o que o senhor está falando se esse ato já tiver sido planejado antes da encarnação?
O que magoa o outro não é o ato, mas o seu próprio egoísmo, o individualismo de cada um.
Por exemplo, se alguém lhe disser que é feio, essa frase não pode magoá-lo. Experimente falar isso para um grupo de cinquenta pessoas e verá que alguns se sentem magoados e outros não. Sendo assim, não pode ser frase que magoa.
Se não é ela, o que então os faz sentir-se magoados? O querer ser chamado de bonito. Ou seja, o egoísmo interno, a defesa dos interesses individuais. Porque aquela pessoa acredita que é bonita acha que tem que ser considerada bela, perfeita, certa por todos. É por conta desta crença que se magoa quando alguém externamente fala o contrário. Portanto, não é a palavra que magoa, mas as verdades internas de cada um e os desejos formados a partir delas que fazem as pessoas se sentirem magoadas.
Sendo isso real, pergunto: porque, então, acontecem essas palavras? Porque você, que diz que quer amar a todos, é escalado para falar palavras que podem ativar o sofrer dos outros?
Porque proferi-las, apesar de aparentemente ser um ato considerado ruim por vocês, é uma ação amorosa.
Quando você fala a uma pessoa que se imagina bonita, e que por isso quer ser reconhecida como tal, que é feia está mostrando a ela que existe uma ideia no seu mundo mental com a qual compactua. Está mostrando o trabalho que precisa realizar na relação com a sua mente para poder aproximar-se de Deus.
É como Cristo afirma: “vocês são o sal para humanidade”. Sal é o tempero que dá sabor as comidas. Sendo o sal para a vida dos outros, são aqueles que dão o sabor à vida dos outros.
Portanto, a palavra ou o ato que contrarie as paixões de outros seres humanos precisam ser ditas ou feitas para que eles tenham a oportunidade de realizar o trabalho que justificará a existência da sua encarnação. É o que chamamos anteriormente de função espelho.
Esse ensinamento, que está em O Livro dos Espíritos, foi passado por Santo Agostinho e afirma que só podemos conhecer a nós mesmos através do que os outros dizem a nosso respeito.
Ouvindo o outro falar contrariamente à sua paixão, o ser pode, então, reconhecer que está apegado ao que a mente cria e assim realizar o trabalho de desapego.
Diante de tudo o que disso, só posso dizer que você não é culpado de falar qualquer coisa. Na verdade, só se torna culpado quando acredita no que falou, quando comunga com a ideia de que ela é feia.
Por isso, no ensinamento de Cristo sobre o sal da humanidade é dito: “mas, se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve para mais nada. É jogado fora e pisado pelos que passam” (Mateus, 5, 13). O sal que perde o gosto é aquele que além da palavra tempera a vida dos outros com a sua vibração formada por emoções fundamentadas no egoísmo. Quando isso acontece esse ser é culpado, não com a outra pessoa, mas consigo mesmo, pois também não aproveitou aquela oportunidade para se libertar do seu mundo mental.
A cada momento em que a vida existe há sempre a oportunidade para o trabalho da evolução por todos os seres envolvidos. É isso que fala O Livro dos Espíritos quando aborda o tema ‘objetivos da encarnação’:
“Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta”.
(pergunta 132)
Portanto, no momento que fala para o outro alguma coisa ele tem uma oportunidade de trabalho, mas você também tem. Tem a oportunidade de não compactuar com o pensamento que embasa o que é dito.