Se definimos a felicidade como um estado onde existe paz interior, podemos dizer que a não felicidade (sofrimento) acontece quando não há paz no interior de cada um. Muitos são os fatores emocionais que podem contribuir para o fim desta paz, mas o mais danoso à felicidade é a contrariedade, como já havíamos falado.
Quando falamos em contrariedade não estamos nos referindo a emoções violentas, mas a simples contratempos que acontecem no dia a dia de cada um. Receber uma visita em um horário não previsto, querer vestir uma roupa que não está disponível, buscar um caminho alternativo e descobrir que está mais engarrafado do que o outro, etc. Essas são pequenas coisas que fazem o homem perder a sua paz e justamente por imaginar que são insignificantes, não combate a contrariedade que surge.
Mas, esse sofrimento que surge é uma semente com alto poder de germinação. Quando se instala no mundo emocional da pessoa rapidamente se transforma em emoções muito mais profundas e difíceis de serem arrancadas.
Quem nunca ouviu falar de um crime que aconteceu depois de uma simples discussão banal? Quantas amizades antigas você já perdeu depois que se desgostou com alguma pequena coisa que seu amigo tenha feito?
Germinar rapidamente: essa é uma propriedade da contrariedade. Não gostar de algo simples, aparentemente sem importância, rapidamente leva ao desgosto, à mágoa, à raiva e a tantos outros sentimentos. Esses sentimentos mais considerados como sofrimentos se enraízam profundamente no ânimo do homem. Enraizados precisam de um trabalho penoso e difícil para extingui-los.
Para se libertar dos frutos da contrariedade é preciso agir na raiz do problema. Ou seja, é preciso que na hora que a contrariedade surja acabemos com ela. Só assim não surgirão sentimentos mais difíceis de se libertar.
Vamos aqui falar desse trabalho de libertação, mas antes temos que primeiro entender o que é uma contrariedade.
A contrariedade surge do encontro de uma ação com uma verdade ou desejo interno.
Não é só a não disponibilidade da roupa que causa contrariedade; é o encontro dessa situação com a vontade de vesti-la. Não é a o trânsito lento que causa a contrariedade, mas o encontro desse acontecimento com a vontade e ou necessidade de chegar mais cedo.
Portanto, a contrariedade surge do desencontro entre uma verdade ou vontade interna do homem com o aquilo que está sendo vivenciado naquele momento. Isso é contrariedade.
Agora sim podemos falar como agir quando a contrariedade vem.
Há dois tipos de ação que o ser humano pode fazer para não se contrariar: a primeira é agir no mundo externo, a segunda é agir no mundo interno. As duas ações não acontecem juntas.
Agindo no mundo externo.
O homem pode, por exemplo, lavar a roupa que quer usar e não está disponível. Mas, será que tem tempo de esperar lavá-la, secá-la e passá-la? Pode buscar outro caminho para ir para o trabalho, mas será que conseguirá encontrar um que não esteja congestionado? E se encontrar, será que a volta que dará realmente tornará a viagem mais rápida?
Pensar em escapar da contrariedade alterando o mundo externo é uma pretensão que na maioria das vezes não dá certo ou não é possível fazer. Isso porque o homem imagina que pode alterar a sua vida do jeito que quer, mas a fatalidade está aí para provar que não é bem desse jeito.
Quantas vezes programamos tudo para que um determinado acontecimento ocorra de tal forma e nada sai do jeito que queremos, não é mesmo? Aí inevitavelmente surge a contrariedade. Quantas vezes elaboramos até um plano para que a vida atenda nossas expectativas, mas, ou dependemos de alguém ou de algo que não temos naquele momento.
Portanto, tentar alterar ou gerir o mundo externo para que a contrariedade não aconteça não é certeza de vitória. E, se não podemos agir no mundo externo, para não vivermos uma contrariedade, só podemos, então, agir no mundo interno.
Agindo no mundo e externo
O mundo interno são nossas vontades, desejos, esperanças que os acontecimentos da vida transcorram de determinada forma.
É a esperança de sair com uma determinada roupa, de chegar cedo em casa para estar com a família, de ficar quieto no seu canto sem receber visitas naquele dia. São nesses desejos que estão dentro de nós que podemos influir para não deixar a contrariedade se estabelecer.
Mas, como agir neles? Será que podemos deixar de desejar, deixar de esperar alguma coisa na nossa vida? A resposta é não. O desejar, ter vontade e esperança que as coisas aconteçam de determinada forma faz parte da natureza humana e o homem não consegue viver sem isso.
Como agir, então? Constando a realidade.
‘Sim, eu queria ir com aquela roupa, mas ela não está disponível. O que eu posso fazer’? ‘Sim, eu pretendia chegar mais cedo em casa, mas o trânsito está congestionado. O que fazer’? ‘Sim, eu pretendia descansar, mas essas pessoas chegaram na minha casa. O que posso fazer’?
Repare nas ideias que usamos como exemplo. Veja que o desejo de alguma coisa, que é inerente à natureza humana, permanece, mas ele é confrontado com a realidade. Constatando que nada há que possa ser feito para que a vontade aconteça, destrói-se a força do desejo. Enfraquecido, ele não deixa que a contrariedade se instale.
Para evitar que a contrariedade se instale dentro de cada um e germine novos sentimentos que acabam com a paz, o homem precisa ser extremamente lógico. Precisa desenvolver um raciocínio que mostre que não há nada que possa fazer naquele momento para alterar o acontecimento que está vivenciando. Por isso de nada adianta lutar contra vida.
Mais. Dentro da lógica o homem precisa mostrar a si mesmo a inutilidade do sofrimento. Sofrer, se contrariar, faz a roupa aparecer, faz o trânsito fluir, evita que as visitas venham?
Aquele que não é lógico, ou seja, aquele que ainda sonha que poderia fazer o que não está fazendo ou que a contrariedade pode resolver algum acontecimento, se contraria e com isso a paz logo vai embora.