Os últimos textos que tenho escrito sobre a vida, o nada, têm causado alguma polêmica. Isso porque as pessoas ainda confundem o nada com o vazio. Mas, o nada não é vazio: tudo está dentro do nada.
Quem observa a tela onde são projetados os acontecimentos, ainda vê a projeção, ou seja, os acontecimentos. Percebe tudo e todos que existem, percebe tudo que acontece, mas tudo isso perde a significância. Tudo isso passa a não ter valor.
É isso que digo quando falo em viver o nada, despertar: neste estado as coisas perdem o valor que têm. Quem vive o nada não vivencia um vazio, não vive uma existência oca: continua a vivenciar tudo, só que todas estas coisas viram nada.
O ser que vivencia o nada continua vivendo a sua existência normalmente. Continua conversando, comendo, bebendo. Participa da existência normalmente, só que os valores que os seres humanos costumam dar às coisas não mais existem para ele.
Não há mais o ganhar, o buscar o prazer, o querer o reconhecimento, o precisar do elogio. Com isso somem também o medo de perder, de sofrer, de não ser reconhecido, de ser criticado. Enfim, tudo aquilo que é intrínseco à natureza humana perde o valor quando se encontra o nada.
O nada contém o tudo, ou seja, nada deixa de existir: apenas perde o valor que tem.
Tenho, propositalmente, falado de um nada que aparentemente está vazio. Fiz isso apenas com um propósito: para mostrar que por mais que digamos que não queremos nada, ainda estamos apegados a tudo.
É preciso abrir mão de todas as coisas e para isso é preciso encarar de frente a existência do nada. Além do mais, este nada a que me referi, a tela onde são projetados os acontecimentos, é a vida eterna. Aquilo que dizemos que é a vida espiritual.
O mundo terrestre é uma projeção de um filme, mas em que será que ele se projeta? Na vida eterna, no Universo. Ele é um filme que passa na tela do Universo. Para alcançarmos esta vida é preciso que abandonemos a projeção e olhemos só para a tela. Mas, este abandonar não é restrito: abandonar o que quero, o que acho que devo, o que alguém disse que tenho que abandonar. É preciso abandonar tudo: isso é cair no nada.
Quando se fixa na tela, ainda vemos a projeção. É impossível deixar de ver a projeção, por mais que se fixe o olhar na tela, enquanto os acontecimentos estiverem sendo projetados. Por isso, o nada vazio não existe.
Como disse, fiz propositalmente. Fiz para mostrar que apesar de aceitarmos que temos que abandonar tudo, temos medo do nada. Quem tem medo do nada não consegue se libertar de tudo o que precisa. Ainda retém verdades, ideias e questionamentos que são humanos.
Mas, no nada tem tudo isso. Por que, então, o medo? Todas as nossas ideias, todas as verdades que ouvimos até agora, tudo e todas as pessoas com quem vivemos até agora continuaram existindo no nada. Apenas o que vai sumir é o valor ou importância das coisas.
Vou dar um exemplo. Em resposta ao texto anterior (explicando o nada) alguém me disse assim: ‘E a lei do carma, onde fica’? No mesmo lugar que sempre esteve: na projeção humana, na vida humana, no mundo humano.
No nada existe uma lei do carma, pois ela está sendo projetada sobre a tela, mas nada tem a ver com aquilo que nós humanos acreditamos. Quando encaramos o nada de frente, a vida universal, a força e a interpretação que se dá a este tema some. Não há mais como compreendê-la e com isso podemos vivê-la na sua realidade. Vivê-la sem saber que a estamos vivendo, bem entendido.
Seria muito hipócrita de minha parte dizer que minha casa, minha família ou meus amigos tenham deixado de existir para mim. Quem conversa comigo sabe que isso não é verdade. Continuo me comunicando com todos, brincando, trocando sorrisos. O que mudou dentro de mim foram os valores que estas coisas tinham, a importância que se dá a elas na existência.
Por isso, dentro deste trabalho que fala do choque de realidade, foi importante esta parte. Quando se fala em choque de realidade não se fala em compactuar com a vida humana. Em seguir ditames, leis ou verdades ditadas por quem quer que seja, mas em encarar o nada. Em encarar o ter que se libertar de tudo.
Vamos continuar conversando a respeito do tudo, mas entendendo que é preciso se afastar dele para chegar à realidade, que ao final, será nada do que conhecemos.