Participante: Para mim que vivo numa cidade de um país capitalista que cria uma determinada realidade, como posso ser feliz se sou constantemente bombardeado por vários atos meus e dos outros. Seria melhor viver no interior? Isso aumentaria a minha chance de viver a felicidade?
Não, isso não aumenta a sua chance. Quem mora numa cidade do interior também vivencia atos que, se não forem trabalhados, levam a vivenciar o sofrimento.
Quantos moradores do interior estão voltando para casa com pressa e precisam parar no meio da rua para deixar bois atravessarem de um terreno para outro? Muitas vezes é uma grande quantidade de bois para atravessar e as pessoas, mesmo com pressa, precisam parar e esperar que eles completem a travessia.
Portanto, o problema não é a cidade grande ou a pequena, mas sim como se reage àquilo que acontece. O problema não é o trânsito de carros ou de bois, mas sim o sofrimento por não ter a sua pressa atendida. Se você não trabalha para não vivenciar o sofrimento, certamente o vivenciará no interior ou na cidade grande.
Na verdade, o tamanho da cidade que você mora não interfere na sua felicidade, mas há uma coisa que está relacionada à sua pergunta que pode sim interferir muito nela. Vamos conversar sobre isso…
O trabalho do não sofrimento é praticamente impossível para as pessoas que querem suprir os seus anseios materiais, ou seja, alcançar todos os aspectos que a moderna sociedade humana diz que devemos ter durante a vida. Para aquelas pessoas que estão preocupadas com a auto estima, que priorizam o chamado amor próprio, que estão preocupadas em serem bem tratadas e reconhecidas como certas e sábias, eu digo: não façam este trabalho…
Quem busca viver o não-sofrimento precisa, antes de tudo, estar despojado destes apelos da moderna vida humana. Por quê? Porque este estado será o resultado da luta de você contra você mesmo… Será que é possível lutar contra si mesmo e ainda assim sentir o amor próprio como ele é vivenciado pela sociedade humana, ou seja, pela exaltação a si mesmo?
Isso é impossível, pois para se alcançar o não sofrimento é preciso ferir exatamente o amor próprio que a sociedade humana recomenda. Isso porque o amor próprio ensinado pela humanidade é o enaltecimento, enquanto que o estado do não-sofrimento só é alcançado com o não enaltecimento. Para você se libertar de si mesmo é preciso não se enaltecer.
Como se libertar do sofrimento se ele é vivenciado não pelo que os outros dizem, mas por sua vontade de querer estar certo? Impossível…
Participante: Perguntei isso porque moro em São Paulo e isso aqui está um inferno…
Pois é, está um inferno, mas você tem que viver aí. No interior a demanda por empregos é menor e por isso você precisa viver neste inferno. Viva, então, mas aprenda a viver este inferno sem que isso lhe cause contrariedade, sem que isso lhe traga sofrimento. Agora, se amanhã você puder vir para o interior venha, mas com a certeza que aqui viverá outros problemas.
Na verdade, existem problemas em todos os lugares que você viver, porque eles estão dentro de você e não nos lugares. Os problemas estão dentro de nós, porque somos nós que os criamos. Não é São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade grande que é o inferno, somos nós que infernizamos ou não os lugares que vivemos.
Uma pessoa que mora em São Paulo um dia me disse: aqui não dá mais para se viver. Eu respondi: ‘Entendeu o que você disse? Se acha que aqui não dá mais para viver, saia daqui’. Ele argumentou: ‘Se eu sair daqui, como vou viver? Aqui, estou perto de tudo, tenho tudo que preciso à mão’. Neste momento eu lhe disse: ‘Então aguenta tudo isso sem reclamar’.
Quem quer estar perto de tudo tem que estar numa cidade grande, pois no interior a oferta é menor e algumas coisas não estão disponíveis. Porque na cidade do interior não se tem tudo à mão? Porque a quantidade de pessoas que moram lá não compensa o investimento para se ter o que se tem na cidade grande.
Portanto, o preço que se paga para se ter tudo à mão é exatamente o engarrafamento que se vive nas cidades grandes, pois ele é o resultado da quantidade de pessoas que moram lá. Ou será que você ainda sonha que tenha tudo o que quer à sua disposição para que use quando quiser, independente do lucro do outro?
Este é o trabalho do não-sofrimento: é se enfrentar e ver que não adianta sonhar com as suas condições ideais de vida para viver feliz. Isso não existe, pois o mundo não gira ao seu redor, mas o mundo de cada um gira dentro do interesse de cada um. O não-sofrimento, portanto, só pode ser alcançado quando você criar dentro de si mesmo o sentir-se bem com o que tem para viver.
Entender, por exemplo, que o engarrafamento e um transporte público cheio só existem numa cidade onde você encontra emprego. Estas coisas que lhe fazem sofrer, realmente não existem numa cidade pequena, mas lá você também não terá o emprego que precisa ter para sobreviver. Portanto, indo para lá haverá novos problemas que se não forem trabalhados também gerarão sofrimentos.
Esta é a dinâmica do não-sofrimento: olhar para dentro de você e observar que está exigindo que o mundo esteja do jeito que quer e isso não pode acontecer, pois o mundo vive o mundo. Portanto, quem espera que estas coisas aconteçam para que ele seja feliz, vai ter que esperar sentado, pois a sua felicidade dependerá de muitos fatores externos que são incontroláveis por nós.